Fonte: O Globo
O Senado aprovou, em segundo turno, o texto-base da reforma da Previdência, a mais ampla mudança no sistema de aposentadorias em três décadas. A vitória mais importante do governo Bolsonaro se deu pelo placar de 60 a 19. Foi adiada para hoje a votação de dois destaques. A ser promulgada em novembro, a reforma institui idade mínima para aposentadoria de 65 anos (homens) e 62 (mulheres), e trará economia de R$ 800 bilhões. Segundo o presidente Bolsonaro, a próxima reforma será a tributária ou a administrativa, “a que for mais fácil de passar’’.
O plenário do Senado aprovou ontem o texto principal da reforma da Previdência, medida econômica mais importante do governo de Jair Bolsonaro. A proposta recebeu 60 votos favoráveis e 19 contrários na votação em segundo turno, última etapa de tramitação da matéria. Com o aval do Legislativo, o Brasil passará pela mais ampla reestruturação do sistema previdenciário, coma alteração de dispositivos previstos na Constituição de 1988. A principal mudança é que, pela primeira vez, o país terá uma idade mínima de aposentadoria, com regras de transição.
O processo ainda não foi concluído porque os senadores não terminaram de analisar os destaques — propostas para modificar o texto principal. Dois deles foram derrubados ainda ontem, masa votação de outros dois destaques ficou para hoje.
Mesmo assim, o ponto principal da reforma está assegurado: a criação de uma idade mínima para aposentadoria de trabalhadores do setor privado, uma ideia em discussão há pelo menos duas décadas no Brasil. Pelas novas regras, quem ingressar no mercado de trabalho depois da promulgação da reforma só poderá dar entrada no benefício após os 65 anos (homens) ou 62 anos( mulheres ). Quem já está na ativa poderá optar entre quatro regras de transição.
‘QUEM ARTICULOU FOI WALDIR’
A medida garante uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos, segundo cálculos do governo. O impacto fiscal é menor que a previsão de R$ 1,2 trilhão estimada caso o texto original do governo tivesse sido aprovado da forma como foi enviado. A equipe econômica também não conseguiu aprovara transição para o regi mede capitalização, em que cada trabalhador contribui para sua própria aposentadoria. A ideia foi rejeitada na Câmara.
Em viagem à Ásia, Bolsonaro comemorou o resultado e escreveu em rede social que a aprovação abre caminho para o Brasil decolar de vez. Em Tóquio, disse que as mudanças não podem parar por aí. Segundo o presidente, a próxima etapa deves era reforma tributária ou administrativa ,“a que for mais fácil de passar”.
— A tributária sempre é complicada, há muito tempo se tenta e não se consegue. Acredito que a administrativa seja de tramitação menos difícil.
Ele comentou o placar de votação dizendo que foram “60 votos para agente” na chegada para o café da manhã em Tóquio e complementou:
— Não articulei nada. Quem articulou foi o delegado Waldir (ex-líder do PSL, que protagonizou embate com o presidente).
O texto só será promulgado quando Bolsonaro retornar ao Brasil. O retorno do presidente está previsto para 31 de outubro. Segundo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a sessão especial para promulgação será marcada para o dia 5, 12 ou 19 de novembro. Somente a partir desta data, as novas regras entram em vigor.
Alcolumbre classificou a aprovação como histórica e destacou a atuação do Senado, que, segundo ele, corrigiu equívocos e fez justiça social com os que mais precisam:
— O parlamento brasileiro entrega a maior reforma da Previdência da História deste país para o Brasil e para os 210 milhões de brasileiros.
Na avaliação de Paulo Tafner, especialista em Previdência, a abrangência do texto-base aprovado ontem é um resultado da falta de ajustes no sistema nos últimos anos.
—A população foi envelhecendo, as famílias foram tendo menos filhos e deixamos o tempo passar. Tivemos que fazer uma reforma mais forte, mais abrangente, pegando todos os tipos de benefícios, atacando vários privilégios. Não acabamos com todos, mas reduzimos — disse, destacando que, no futuro, o país precisará de novos ajustes nas regras de aposentadoria.
RISCO EM DOIS DESTAQUES
A sessão de ontem foi encerrada antes do previsto, diante do risco de derrota do governo na votação de um destaque do PT que resgataria regra extinta em 1995 que permitia a concessão de aposentadoria especial a categorias sujeitas a atividades de risco, como vigilantes. Se aprovado o destaque, a proposta poderia reduzir o impacto da reforma em R$ 23,2 bilhões em dez anos e ainda criaria o risco d eque o texto retornasse à Câmara.
A medida chegou a começar a ser votada, mas senadores ficaram em dúvida sobre as regras atuais. Integrantes do governo perceberam que havia risco de que a modificação fosse aprovada. Assim, a análise da proposta ficou para hoje, junto comum desta queda Rede que nem entrou em discussão. O partido propõe retirara exigência de idade mínima para trabalhadores expostos a agentes nocivos, o que poderia reduzir o impacto da proposta em R$ 53,3 bilhões.
Perguntado se teme uma derrota nesses destaques, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, disse que a estratégia foi evitar perder ontem. O adiamento da sessão é resultado de uma articulação mais forte de lideranças do governo, após terem sido surpreendidas coma manutenção das regras do abono no primeiro turno, que custaram à reforma R$ 76,4 bilhões.
— Talvez fosse mais arriscado votar hoje (ontem) — disse Marinho.
A NOVA PREVIDÊNCIA
OS PRINCIPAIS PONTOS APROVADOS
Confira as principais mudanças nas regras para a aposentadoria aprovadas em dois turnos na Câmara dos Deputados e em dois turnos no Senado.
IDADE MÍNIMA INSS e serviço público
Como era: Não existe idade mínima de aposentadoria no setor privado (INSS). No serviço público, ela é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres.
Como ficou: Trabalhadores do INSS e do serviço público terão idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).
APOSENTADORIA POR IDADE No setor privado (INSS)
Como era: Homens podem se aposentar com 65 anos, e mulheres, aos 60 anos, desde que tenham contribuído por pelo menos 15 anos.
Como ficou: Para quem já está no mercado de trabalho, serão exigidos, no mínimo, 15 anos de contribuição, tanto para mulheres quanto para homens. Para os novos entrantes, o tempo exigido continua o mesmo para as mulheres, mas sobe para 20 anos no caso dos homens. A reforma introduz idade mínima de 62 anos para mulheres e mantém 65 para homens. A regra de transição prevê uma “escadinha” para elas: a idade mínima sobe seis meses a cada ano, até chegar aos 62.
CONTRIBUIÇÃO Alíquotas previdenciárias
Como era: As alíquotas do INSS variam de 8% a 11%. Para o servidor, quem ingressou até 2013 e não aderiu ao fundo complementar (Funpresp) recolhe 11% sobre o vencimento. Já quem ingressou depois de 2013 ou aderiu ao novo fundo recolhe também 11%, mas pelo teto do INSS.
Como ficou: As alíquotas serão de 7,5% a 14% para o INSS e de até 22% no caso dos servidores. E passarão a ser progressivas, variando por faixa de renda, como já é feito no IR. Assim, na prática, as alíquotas efetivas serão mais baixas.
CÁLCULO DA APOSENTADORIA
Valor do benefício
Como era: O valor do benefício é calculado com base na média dos 80% maiores salários de contribuição. O reajuste é feito pela inflação.
Como ficou: O benefício será calculado com base na média de todo o histórico contributivo do trabalhador. Para quem já está no mercado de trabalho, aos 15 anos de contribuição, a pessoa tem direito a 60% do valor do benefício. Quem ficar mais tempo na ativa ganhará um acréscimo de 2 pontos percentuais a cada ano, até o limite de 100%. Para os homens que ainda vão entrar no mercado de trabalho, o tempo exigido será maior: os 60% só estarão garantidos a partir dos 20 anos de contribuição, somando 2 pontos percentuais a cada ano a mais. Estará preservado o direito a receber pelo menos um salário mínimo de aposentadoria. O reajuste continua sendo pela inflação.
REGRAS DE TRANSIÇÃO No setor privado (INSS)
Sistema de pontos: Regra similar ao atual sistema 86/ 96. O trabalhador terá de somar idade e tempo de contribuição e precisa ter contribuído por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Em 2019, pode se aposentar aos 86 pontos (mulheres) e 96 pontos (homens). A tabela sobe um ponto a cada ano, até chegar aos 100 (mulheres) e 105 (homens). Idade mínima com tempo de contribuição: Quem optar por esse modelo terá de cumprir a idade mínima seguindo uma tabela da transição. E precisará ter contribuído por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Essa transição para as novas idades mínimas vai durar 12 anos para as mulheres e oito anos para os homens. Ou seja, em 2027, valerá para todos os homens a idade mínima de 65 anos. E, em 2031, valerá para todas as mulheres a idade mínima de 62 anos. A reforma prevê que a idade mínima começará aos 61 anos para os homens e 56 anos para as mulheres, subindo seis meses por ano até atingir 62 anos (mulher) e 65 anos (homem). Pedágio: Quem está perto de se aposentar, faltando dois anos pelas regras atuais (35 anos de contribuição, no caso do homem, e 30, no da mulher), terá a opção de “pagar um pedágio” de 50%. Funciona assim: se pelas regras atuais faltar um ano para o trabalhador se aposentar, ele terá de trabalhar um ano e meio (ou seja, 1 ano + 50% do “pedágio”). Se faltarem dois anos, terá de ficar no mercado por mais três anos. Ainda assim é aplicado o chamado Fator Previdenciário, que reduz o valor do benefício para quem se aposenta ainda jovem. Para não ser afetado pelo fator, será possível requerer aposentadoria aos 57 anos (mulher) e 60 anos (homem), com pedágio de 100% sobre o tempo que faltar. Neste caso, o cálculo segue a regra explicada no item acima (60% da média de todo o histórico contributivo aos 15 anos de contribuição, mais 2 pontos percentuais a cada ano a mais).
REGRAS DE TRANSIÇÃO No serviço público
Sistema de pontos: Éuma regra similar ao atual sistema 86/96. O trabalhador terá de somar idade e tempo de contribuição e precisa ter contribuído por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Em 2019, pode se aposentar aos 86 pontos (mulheres) e 96 pontos (homens). A tabela sobe um ponto ao ano, até chegar aos 100 para mulheres e 105 para homens. Neste caso, o servidor precisa ter tanto o tempo de contribuição quanto a idade mínima para se aposentar. Pedágio: Os servidores que estão perto de se aposentar pagarão pedágio de 100% sobre o tempo de contribuição que falta para requerer o benefício, desde que tenham idade mínima de 57 anos (mulher) e 60 anos (homem) na aposentadoria. Cumprindo isso, os servidores terão direito à paridade (benefícios reajustados pelo mesmo percentual do que os funcionários da ativa) e integralidade (último salário da carreira).
PENSÕES Benefício por morte
Como era: O valor da pensão é integral.
Como ficou: O valor da pensão para o viúvo ou viúva cairá para 60% do benefício do titular, mais 10% por dependente. Contudo, o valor da pensão não poderá ser inferior ao salário mínimo. Quando os beneficiários perderem a condição de dependentes, as quotas serão extintas, deixando de ser revertidas para viúvas e viúvos.
ACÚMULO DE BENEFÍCIOS Opção pelo maior
Como era: Pensão e aposentadoria podem ser acumulados integralmente.
Como ficou: O segurado ficará com o benefício de maior valor, mais uma parcela do de menor valor, obedecendo a uma “escadinha”: 80%, se o valor for igual a um salário mínimo; 60% do valor que exceder o mínimo, até o limite de dois; 40% do valor que exceder de dois a três mínimos; 20%, se exceder três até quatro mínimos; e 10% do valor que exceder quatro salários mínimos. Algumas carreiras, como médicos e professores, que têm acumulações previstas
em lei, não serão atingidas. No entanto, a acumulação de cada benefício adicional será limitada a dois salários.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ Benefício por saúde
Como era: A pessoa impedida de trabalhar por problema de saúde se aposenta com benefício integral.
Como ficou: O benefício vai variar de acordo com a origem do problema que levou ao afastamento irreversível do mercado de trabalho. Se for acidente de trabalho, doença profissional ou doença do trabalho, continua recebendo o valor integral. Nos demais casos, só receberá 60% do valor a que tem direito. Quem já está no mercado e tem mais de 15 anos de contribuição recebe 2% a mais por ano que exceda essas duas décadas. No caso dos homens que ainda não começaram a contribuir, os 60% só estarão garantidos a partir dos 20 anos de contribuição. A regra não vale para quem tem direito a apenas um salário. Nesse caso, não haverá desconto.
BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS Para idosos e deficientes
Não foram modificadas as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda que não contribuíram para a Previdência. O auxílio, de um salário mínimo, é concedido aos 65 anos para homens e mulheres cuja renda mensal de cada integrante da família não ultrapasse 1/4 do piso salarial nacional. O patrimônio familiar não pode ultrapassar R$ 98 mil.
PROFESSORES
Ensino infantil, médio e fundamental
Como era: No INSS, podem se aposentar com 30 anos (homem) e 25 anos (mulher) de contribuição, sem exigência de idade mínima. Na rede pública, podem se aposentar com esse mesmo período de contribuição, mas há idade mínima de 50 anos (mulher) e 55 anos (homem) para se aposentar.
Como ficou: Tanto na rede pública como na privada, a idade mínima dos homens será de 60 anos, com 30 anos de contribuição. A das mulheres será de 57 anos, com 25 anos de contribuição. As idades vão aumentar gradualmente, começando aos 51 anos (mulher) e 56 anos (homem), subindo seis meses a cada ano, até chegar aos limites previstos.
Pedágio: Professores da ativa podem pedir o benefício aos 55 anos (homens) e 52 anos (mulheres), após cumprirem 100% de pedágio do tempo que falta para se aposentar.