Fonte: O Globo
Muito já se falou e analisou sobre o resultado aquém do esperado dos dois recentes leilões de petróleo da área do pré-sal, que arrecadaram muito menos do que esperado e não atraíram nenhuma empresa internacional de peso.
O polêmico e complexo sistema de partilha, instituído em 2010, foi apontado como o principal vilão responsável pelo desinteresse externo. Nesse sistema, o petróleo continua sendo propriedade da União e as empresas pagam ao governo uma fatia do chamado óleo-lucro, a parcela da produção que excede o equivalente aos gastos feitos pelas petroleiras.
Para evitar novas frustrações em futuros leilões, governo já discute mudanças da legislação, para que a exploração do pré-sal passe a ser feita pelo sistema de concessão, mais simples e disseminado mundo afora.
Mas a falta de interesse estrangeiro em torno do óleo brasileiro tem outras razões e pode ser traduzida também na desconfiança em torno das regras locais. Não basta o Brasil ser atualmente uma das mais promissoras fronteiras da exploração de petróleo. A indústria de petróleo aponta para quatro propostas que tramitam no Legislativo que, se aprovadas, colocarão o país mais longe do radar.
Uma delas estabelece em lei os percentuais de conteúdo local para o setor de óleo e gás, e tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, já chamou a proposta de “enorme retrocesso” e lembrou que a experiência brasileira com conteúdo local é “desastrosa”, de “perda de produtividade, corrupção, atrasos e abandonos de projetos”.
Outra é um dispositivo da proposta que cria a Política Nacional para Conservação e Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro, conhecida como Lei do Mar, que estabelece diretrizes para preservação do oceano. Ela tramita desde 2013, ganhou força política após a contaminação de praias nordestinas por óleo cru e está pronta para votação pelo plenário da Câmara.
O que preocupa o setor é a inclusão do “princípio da precaução” nos pressupostos a serem observados na lei. Em resumo, diz que “diante da incerteza de impactos ambientais potencialmente graves ou irreversíveis de uma ação ou atividade, a decisão deve ser pela não realização da ação ou atividade, recaindo o ônus da prova sobre o proponente da ação ou atividade”.
Como dentro desse conceito cabe de tudo, a indústria de óleo e gás teme que a aprovação desse dispositivo inviabilize toda a exploração de petróleo na costa brasileira.
O terceiro projeto é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 42, que retoma o pagamento do ICMS sobre produtos primários e semielaborados exportados, particularmente do setor mineral. Se aprovado, o óleo brasileiro ficará mais caro e perderá competitividade internacional.
Por fim, em nível estadual, o setor acompanha a tentativa da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) de reduzir os benefícios tributários do Repetro, regime fiscal especial para a indústria de petróleo, que facilita a importação de bens. O risco é a medida impactar os contratos em vigor, além de aflorar o temor da falta de estabilidade nas regras brasileiras.
Essa coleção de projetos, na visão dos especialistas, tende a atrasar investimentos e fazer o país desperdiçar a riqueza que possui em seu subsolo. O tempo do petróleo, argumentam, é relativamente curto. Estima-se que o pico da demanda pelo produto chegue em 20 anos, para depois se estabilizar e, enfim, começar a cair. Afinal, o desenvolvimento de novas tecnologias para reduzir emissões de carbono sinaliza a diminuição da demanda de óleo nas próximas décadas e, consequentemente, seu preço.
Gustavo Paul é coordenador de Economia da sucursal de O Globo em Brasília. Trabalhou nas redações de O Estado de Minas, Veja, O Estado de S. Paulo e Exame . Também foi assessor de imprensa do Banco Central e do BNDES.