Preços do petróleo tocam menor nível neste século devido à crise do coronavírus
22/04/2020
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Fonte: Valor Econômico

O preço do barril de petróleo do tipo WTI, referência nos Estados Unidos, entrou na segunda-feira, pela primeira vez em sua história, no terreno negativo. Mesmo tendo voltado ao azul, ontem, o colapso do mercado americano mexe com os humores dos investidores, e levanta dúvidas sobre seus efeitos para a Petrobras. Segundo especialistas, a estatal brasileira dificilmente viverá a realidade de negociar suas cargas a preços abaixo de zero. Em um setor globalizado, porém, a expectativa é que a companhia seja afetada indiretamente pela situação inédita dos EUA. Por ora, a Petrobras pretende aguardar a evolução dos preços antes de tomar qualquer nova decisão estratégica, disse fonte da empresa.

Nenhuma petroleira passará incólume à atual crise da indústria de óleo e gás. A contração sem precedentes da demanda – frente à crise econômica desencadeada pela pandemia do novo coronavírus – e o excesso de oferta pressionam os preços para baixo. O efeito, para a Petrobras, está na redução da geração de caixa, o que compromete a capacidade de investimentos e de pagamento de dívidas. A estatal, no entanto, opera com outro preço de referência: o Brent.

Para entender melhor o que a queda histórica do WTI significa para a Petrobras, é preciso contextualizar as nuances do que ocorreu nos EUA e não se perder na sopa de letrinhas do setor: o WTI é a especificação do petróleo usada como referência comercial nos Estados Unidos, enquanto o Brent é uma mistura de óleos produzidos no Mar do Norte e que funciona como uma espécie de referência global.

O que ocorreu na segunda-feira com o WTI, portanto, reflete questões muito particulares do mercado americano. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Helder Queiroz, explica que o colapso carrega consigo um efeito de especulação financeira. “É uma situação absolutamente anormal. Não é uma situação que vai tender a perdurar”, afirma o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que não vê um efeito direto da queda do WTI para o Brasil. “Há um descolamento completo entre o Brent e o WTI”, afirma.

O chefe de pesquisa da área de exploração e produção de petróleo da Wood Mackenzie na América Latina, Marcelo de Assis, acrescenta que o Brent possui maior liquidez. “O contrato WTI é negociado nos EUA, enquanto o Brent é negociado para outros clientes, o produtor tem uma flexibilidade maior onde entregar sua carga. Seria muito extremo o Brent cair para abaixo de zero”, afirma.

Como commodity, o petróleo é negociado em mercados futuros. O que aconteceu nos EUA é que o contrato WTI expirou ontem e, na véspera, houve um choque de liquidez em torno desses papéis, diante das perspectivas ruins para o mercado americano – que convive com uma forte contração de demanda e estoques muito elevados. Com receio de que a capacidade de armazenamento se esgote, os operadores com contratos WTI em mãos, para maio, correram para se desfazer dos ativos, num momento em que faltam compradores. A falta de liquidez derrubou a cotação do WTI para maio, então, para US$ 37,63 negativos. Ontem, os contratos para junho fecharam a US$ 11,74 (-43,36%), na mínima desde 1999. Já os contratos para maio se recuperaram, a US$ 10,01.

Segundo a Wood Mackenzie, a expectativa é que o vencimento do contrato de junho ocorra com “mais tranquilidade”, em momento em que se espera que os cortes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (a Opep +) estejam em vigor. Se a fraqueza da demanda continuar no mesmo ritmo de abril e os produtores dos EUA adiarem os desligamentos de seus poços, contudo, haverá riscos de um novo colapso.

A parte positiva dessa história é que o Brasil, que importa derivados dos EUA, pode se beneficiar da queda histórica dos preços do WTI, disse o ex-diretor-geral da ANP, Décio Oddone. Ele acredita que a baixa demanda e os estoques elevados devem pressionar os preços do petróleo por um tempo.

Ainda que negocie seus contratos com outra referência, a Petrobras não passará batida pelo choque de preços do WTI. Em parte, a desvalorização do barril americano reflete o excesso dos estoques, uma realidade global que tende a afetar também o Brent. O advogado Giovani Loss, da área de infraestrutura e energia do escritório Mattos Filho, destaca que, como os EUA são um dos maiores exportadores, a queda do WTI pode contaminar o Brent – cujo contrato para junho recuou 24,4%, ontem, para US$ 19,33. Desde 2002, o Brent não caia para menos de US$ 20.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, tem dito que a companhia está se preparando para sobreviver ao Brent a US$ 25 por barril. A petroleira é, hoje, mais competitiva que os produtores americanos do “shale”.

A conta da crise, no entanto, também chegou para a Petrobras, que cortou investimentos, custos e teve de recorrer a uma linha compromissada de US$ 8 bilhões. A estatal também cortou a sua produção, por falta de demanda, em cerca de 200 mil barris/dia. Apesar da contração da demanda interna, Castello Branco tem dito que a empresa vem mantendo as exportações (ver nesta página quadro com exportações do Brasil em 2020).

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