O Estado de S.Paulo
Desde sexta-feira, os bancos estão oferecendo diretamente o empréstimo consignado CLT em suas plataformas. Batizada de Crédito do Trabalhador, a modalidade foi lançada pelo governo em março e, até então, estava disponível apenas por meio da Carteira de Trabalho Digital (CTPS). A linha contempla empregados com carteira assinada, inclusive domésticos, rurais e contratados por Microempreendedores Individuais (MEIs).
Nesse tipo de empréstimo, as parcelas são descontadas na folha do trabalhador mensalmente. Os descontos em folha, contudo, não podem ultrapassar o limite máximo de 35% do salário do profissional. Como garantia, é utilizado até 10% do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além da totalidade da multa de 40% em caso de demissão sem justa causa.
Apresentada pelo governo como uma alternativa de crédito com taxas de juros mais atrativas, a modalidade pode esconder “pegadinhas” que exigem atenção redobrada dos trabalhadores, especialmente na leitura dos contratos oferecidos pelas instituições financeiras.
O primeiro cuidado consiste em verificar se a contratação do empréstimo é realmente necessária. “O consignado vai comprometer boa parte de uma renda que pode já não ser suficiente para pagar despesas cotidianas. Mesmo que a taxa de juros do empréstimo seja baixa, é preciso verificar se vale a pena ter esse endividamento”, diz Juliana Mendonça, sócia do Lara Martins Advogados e especialista em Direito e Processo do Trabalho.
O problema se agrava se o trabalhador contrata a operação para bancar despesas recorrentes. Utilizá-la para fechar o orçamento mensal significa “empurrar” o problema para frente, na visão de Júlio César Leandro, pesquisador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Isso é um erro, porque no futuro, além de ter a renda comprometida, o trabalhador também se tornará um pagador de juros”, destaca.
O pesquisador ainda aponta um outro problema: contratar o crédito e, diante de dificuldades financeiras, não conseguir quitar a dívida. “Nesse caso, ele entra em um ciclo de empréstimos sucessivos. O que era para ser uma solução pontual acaba se transformando em um endividamento crônico, comprometendo a renda do consumidor por um longo período.”
Se o empréstimo consignado CLT for realmente necessário, é importante tomar uma série de cuidados antes de assinar contrato com o banco. Uma das recomendações é verificar o chamado Custo Efetivo Total (CET) – indicador que mostra o custo real do empréstimo, incluindo não apenas os juros cobrados, mas também eventuais taxas e encargos. Segundo Leandro, da FGV, em alguns casos, o CET pode ser quase o dobro da taxa de juros inicialmente apresentada.
Além de checar o custo total da operação, o cliente deve comparar a taxa entre diferentes instituições, pois os valores podem variar de banco pa
ra banco. “Outro ponto fundamental é verificar no contrato se todas as taxas estão claramente discriminadas”, diz Jorge Ferreira dos Santos Filho, professor do curso de Administração de Empresas da ESPM.
‘PEGADINHA’. O trabalhador também precisa estar atento a mais uma “pegadinha”. Existe a possibilidade de os bancos descontarem o valor do empréstimo direto da conta corrente do profissional que ficar desempregado, caso as garantias do FGTS e da multa rescisória não forem suficientes. “As instituições podem fazer isso se estiver previsto em contrato. É uma cláusula padrão”, explica Juliana Mendonça, sócia do Lara Martins Advogados e especialista em Direito e Processo do Trabalho.
A Caixa Econômica Federal – maior instituição financeira do País em número de clientes – tem, em seu contrato de concessão do Crédito do Trabalhador, uma cláusula desse tipo. “O cliente se compromete a pagar à Caixa todos os valores que o empregador não descontou ou descontou parcialmente em sua folha de pagamento. Caso o pagamento não seja realizado, o cliente autoriza a Caixa a debitar o valor da parcela na conta indicada no momento da contratação como preferencial para débito e, em caso de insuficiência de fundos, em quaisquer contas de titularidade do cliente, ainda que sejam contas conjuntas, pelo prazo do contrato”, diz o contrato da Caixa.
Domingos, da Abefin, ressalta que isso representa um risco para o trabalhador. “Se as garantias não forem suficientes, é muito provável que o banco venha com a pressão de fazer a dedução na conta corrente. Por isso, o trabalhador precisa ficar muito atento e analisar todos os prós e contras para a tomada de decisão de buscar por esse crédito consignado.”
Entre as “armadilhas” há ainda a chamada venda casada, uma prática irregular. Essa situação acontece quando, junto ao empréstimo, a instituição obriga o consumidor a aceitar um seguro ou outro produto que, em regra, ele não precisaria acatar. •