Até 24% do diesel usado em caminhões é adulterado em estados; ação do crime organizado é investigada

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Prática tem se tornado frequente no mercado de combustíveis, gerando impactos significativos na economia, no meio ambiente e na segurança dos veículos

Folha de São Paulo

Em alguns estados brasileiros até 24% do diesel utilizado em caminhões teve algum tipo de adulteração em 2024. A prática se tornou frequente no mercado de combustíveis, gerando impactos significativos na economia, no meio ambiente e na segurança dos veículos.

O problema tem sido alvo de investigações por parte das autoridades, que apuram a atuação de organizações criminosas em esquemas de adulteração de combustíveis. O levantamento foi organizado pelo ICL (Instituto Combustíveis Legal) com base nos dados do PMQC (Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis) da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

O PMQC verifica a qualidade dos combustíveis (gasolina, etanol e diesel) comercializados nos postos por meio de laboratórios especializados e credenciados, que realizam coletas aleatórias de amostras nos postos. Segundo os dados, Alagoas (24%), Mato Grosso do Sul (18%), Amapá (15%), Rio Grande do Sul (15%), Bahia (13%) e São Paulo (11%) registraram os maiores índices de adulteração do diesel. No caso da gasolina, os estados com maior incidência de irregularidades foram Alagoas (12%), Paraíba (6%), Pernambuco (4%), Rio de Janeiro (4%), Goiás (4%) e Maranhão (3%).

A adulteração afeta um volume estimado de 5,42 bilhões de litros de combustível, o que, segundo cálculo do ICL, representa um impacto equivalente a 72,1 mil abastecimentos, considerando veículos de passeio com tanques de 30 litros e caminhões com tanques de 100 litros.

Apesar desses números, o programa aponta que, em média, o índice de conformidade no mercado nacional alcançou 98,1% em 2024, superando os 97,4% registrados em 2023. A adulteração de combustíveis geralmente envolve a adição ou retirada de componentes com valor comercial diferente, com o objetivo de obter vantagem financeira por meio da manipulação do preço final do produto.

No caso da gasolina, a prática mais comum é a adição de etanol. Isso permite ao fraudador vender uma quantidade maior de etanol ao preço da gasolina, gerando lucro. Outra forma de adulteração é a adição de metanol, um tipo de solvente cujo uso como combustível é proibido no Brasil, devido à sua alta toxicidade e aos riscos à saúde humana e ao meio ambiente.

No caso do diesel, a adulteração mais frequente é a redução do percentual de biodiesel na mistura. Atualmente, o diesel comercializado no país deve conter 14% de biodiesel. No entanto, geralmente há a diminuição da proporção, o que reduz os custos e aumenta o ganho financeiro.

‘A adulteração no setor ocorre hoje em diferentes etapas da cadeia, desde as usinas até os postos de combustíveis. Ela causa danos e perda de eficiência nos veículos dos consumidores, gera impacto no meio ambiente e favorece a concorrência desleal no setor. Inclusive, isso tem atraído o crime organizado, que atua em toda a cadeia’, afirmou Carlo Faccio, diretor do Instituto Combustível Legal.

Como revelou a Folha de S.Paulo, autoridades federais e estaduais investigam a infiltração do crime organizado em 941 postos de combustíveis localizados em ao menos 22 estados. O mapeamento revela indícios de domínio em parte desses postos por parte de facções como PCC, Comando Vermelho e Família do Norte. Milícias também atuariam no setor.

O mapa, produzido a partir de informações do setor, está no Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, coordenado pelo Ministério da Justiça. O grupo conta com representantes da Polícia Federal, Receita Federal, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e Ministério de Minas e Energia.

Marivaldo Pereira, secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública e membro do núcleo, afirmou que a pasta tem avaliado medidas para estabelecer um melhor fluxo de informações entre os agentes da cadeia de combustíveis e os órgãos reguladores, com o objetivo de aumentar a transparência e coibir a adulteração.

Entre as propostas, ele citou o cruzamento de dados sobre a entrada e saída de combustíveis nos postos como forma de identificar possíveis irregularidades. Também mencionou que está em avaliação apoiar os projetos de lei do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e do deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que tratam do controle e monitoramento do setor.

‘Temos mantido um diálogo com o Ministério de Minas e Energia para avaliar, do ponto de vista legislativo, medidas que ampliem a transparência na cadeia de combustíveis. Há diversas propostas normativas em discussão que preveem a criação de um fluxo estruturado de informações entre os agentes do setor e os órgãos reguladores’, disse.

Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que o crime organizado lucra mais com combustível do que com cocaína. A receita gerada pelo crime na área de combustíveis e lubrificantes equivale a R$ 61,5 bilhões, segundo o estudo. O lucro com cocaína é estimado em R$ 15 bilhões.

Investigações recentes também apontam a atuação de organizações criminosas na adulteração de combustíveis, como revelou a Operação Boyle – deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo, em parceria com a Polícia Federal.

A segunda fase da operação identificou a presença de grupos ligados à facção PCC envolvidos na adulteração de etanol e gasolina com metanol. O esquema incluía ainda a criação de empresas de fachada para lavagem de dinheiro e a corrupção de agentes públicos, com o objetivo de garantir a continuidade das atividades ilícitas no setor.

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