Como a disputa política por indicações de diretores afeta o funcionamento das agências reguladoras

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O Estado de São Paulo

As 12 agências reguladoras federais responsáveis por regular e fiscalizar diversos setores da economia têm mais da metade das diretorias desocupadas ou com vagas a abrir em 2025. Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostra que 23 das 60 posições estão ocupadas por diretores ou conselheiros substitutos ou, em alguns casos, com cadeiras vazias. Há ainda oito vagas que serão abertas em 2025 e que já estão sendo cobiçadas por congressistas.

As agências reguladoras são essenciais para garantir o bom funcionamento dos serviços públicos e, ao mesmo tempo, atrair investidores para setores estratégicos. São elas as responsáveis por garantir a qualidade dos serviços, proteger os interesses dos consumidores e promover a concorrência. Ao regular os setores, dão mais previsibilidade para quem for colocar dinheiro em projetos e concessões públicas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso, no fim do ano passado, um pacote com 14 indicações para as agências reguladoras. Há, no entanto, outras nove vagas que permanecem abertas e para as quais Lula ainda não apontou quem serão os novos diretores ou conselheiros.

Ao longo dos anos, as agências reguladoras enfrentaram diversos desafios. Um dos principais foi o corte de verbas, que comprometeu sua atuação e reduziu a capacidade de fiscalização − problema que se manifestou inclusive nos dois primeiros mandatos do presidente Lula.

Outro fator crônico é a recorrente indicação política para os cargos de diretoria, o que muitas vezes fragiliza a autonomia e a eficácia dessas instituições. Isso coloca em xeque as decisões das agências, que precisam ser autônomas e independentes.

As indicações para agências reguladoras são disputadas entre governo e Congresso pelo fato de essas autarquias estabelecerem uma série de regras para regular os setores da economia. Parlamentares com influências em algumas esferas, como transportes rodoviários, planos de saúde ou energia elétrica, por exemplo, costumam pleitear ao Palácio do Planalto essas indicações. Na prática, essas escolhas servem como uma barganha para o governo ter uma base de apoio mais sólida no Congresso.

Apesar de Lula já ter encaminhado 14 nomes para a avaliação do Senado, as indicações estão emperradas. Senadores ouvidos pelo Estadão/Broadcast dizem que o motivo para isso é uma disputa nos bastidores entre o Ministério de Minas e Energia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), em torno das indicações para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Procurados, MME e Alcolumbre não se manifestaram.

Impasse com Alcolumbre

Alcolumbre e Lula viajaram à Rússia e à China na semana passada. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que está no centro da disputa pelas indicações à ANM e à Aneel, também acompanhou a comitiva presidencial. Aliados do presidente da República disseram à reportagem terem aconselhado Lula a resolver o imbróglio quanto antes para fazer com que a pauta no Senado seja destravada.

O presidente da Casa Alta do Congresso tenta emplacar duas indicações na Aneel (uma já está vaga e a outra abrirá neste mês) e duas na ANP (as duas já estão vazias). Alcolumbre já conseguiu “rebaixar” o indicado de Silveira para a diretoria-geral da ANP. Pietro Mendes, atual secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, era o nome mais cotado para a diretoria-geral, mas acabou preterido por Artur Watt Neto, indicado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA). O presidente do Senado tenta a retirada de vez do nome de Mendes para emplacar um indicado na ANP.

No caso da Aneel, o nome de Gentil Nogueira, atual secretário Nacional de Energia Elétrica, é o escolhido pelo Ministério de Minas e Energia com o apoio de Silveira. A cúpula do Congresso, no entanto, tem trabalhado pela escolha de Rômulo Gobbi do Amaral, advogado da Casa Alta do Congresso e assessor do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e de Willamy Frota, ex-presidente da Amazonas Energia e ex-diretor da Eletronorte, que conta com o apoio de Eduardo Braga (MDB-AM), de acordo com pessoas ouvidas pela reportagem.

A ocupação das diretorias das agências reguladoras por substitutos causa irritação em congressistas, que acusam o Palácio do Planalto de colocar diretores interinos para votar conforme os interesses do governo nas agências. O Estadão/Broadcast apurou que as reclamações dos senadores sobre essa prática tem crescido cada vez mais e feito com que os pleitos pelas indicações às agências tenham ganhado força nas últimas semanas.

Especialistas apontam prejuízos

Para especialistas, o elevado número de diretorias ocupadas por interinos ou mantidas vagas compromete a efetividade do trabalho regulatório. Segundo Alketa Peci, coordenadora acadêmica do Mestrado Profissional em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e pesquisadora da área de agências reguladoras, o excesso de interinidades tende a reforçar a presença de quadros técnicos, em detrimento da diversidade de perfis, especialmente de profissionais oriundos do mercado e da política.

“Quando há muitos interinos, prevalece a visão interna e técnica, mas corre-se o risco de se perder a perspectiva do mercado e da política. Há quem defenda que apenas o corpo técnico deveria ocupar esses cargos, mas sou contra. É fundamental haver diversidade”, afirmou.

A ocupação das diretorias das agências reguladoras por substitutos causa irritação em congressistas, que acusam o Palácio do Planalto de colocar diretores interinos para votar conforme os interesses do governo nas agências. O Estadão/Broadcast apurou que as reclamações dos senadores sobre essa prática tem crescido cada vez mais e feito com que os pleitos pelas indicações às agências tenham ganhado força nas últimas semanas.
Especialistas apontam prejuízos

Para especialistas, o elevado número de diretorias ocupadas por interinos ou mantidas vagas compromete a efetividade do trabalho regulatório. Segundo Alketa Peci, coordenadora acadêmica do Mestrado Profissional em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e pesquisadora da área de agências reguladoras, o excesso de interinidades tende a reforçar a presença de quadros técnicos, em detrimento da diversidade de perfis, especialmente de profissionais oriundos do mercado e da política.

“Quando há muitos interinos, prevalece a visão interna e técnica, mas corre-se o risco de se perder a perspectiva do mercado e da política. Há quem defenda que apenas o corpo técnico deveria ocupar esses cargos, mas sou contra. É fundamental haver diversidade”, afirmou.

“Um conselho 100% político não é bom também. Quanto maior diversidade na diretoria, melhor é para tomar decisão, porque traz todas as visões”, completou.

Peci afirmou, ainda, que a dificuldade de o governo chegar a um entendimento com o Congresso sobre as indicações para as agências “é mais um dos sintomas do presidencialismo de coalizão”. Segundo ela, “todos os políticos tiveram desconfortos com as agências”, mas nos últimos tempos houve um desgaste maior.

“O que vivemos nos últimos anos é o desgaste das moedas de troca do presidencialismo de coalizão. As indicações às agências entraram no bolo de negociação. Esses cargos às vezes são mais cobiçados que os de políticos”, afirmou. “Esse fenômeno foi muito comum no governo Dilma (Rousseff). Isso reflete a dificuldade de negociação com o Congresso”, reforçou.

O presidente da Associação Brasileira das Agências Reguladoras (Abar), Vinicius Benevides, por sua vez, ressaltou que as interinidades nas agências têm “impactos tanto institucionais quanto para a economia”.

“Ficamos com autonomia um pouco comprometida, os diretores substitutos são servidores de carreira e não passam por sabatina e aprovação do Senado. Ou seja, tem menos respaldo político e institucional, o que compromete a independência da agência”, afirmou. Eke ressaltou que “empresas e agentes do setor, podem questionar futuramente a legitimidade de decisões” tomadas por diretores interinos.

“Há prejuízo também na tomada de decisões estratégicas. Algumas matérias precisam de quórum completo para serem votadas. Há risco de decisões conservadoras ou protelatórias por diretores interinos, que tendem a adotar postura conservadora para evitar conflitos”, argumentou.

Benevides argumentou que ter segurança jurídica no ambiente regulatório é um dos principais pontos analisados por investidores.

“Para investir no Brasil, é preciso avaliar se há um mercado atrativo, como está o ambiente político − se os Poderes funcionam adequadamente− e também o ambiente regulatório, ou seja, a atuação das agências responsáveis por definir as regras. Esses três elementos formam um triângulo. Quando há insegurança jurídica nesse terceiro ponto, a fragilidade das agências reguladoras passa a ser uma preocupação”, completou.

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