Fiscalização do biodiesel coloca em lados opostos pastas de Haddad e Silveira

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O Estado de São Paulo

Um decreto que pode ampliar a fiscalização na venda de combustíveis e forçar que distribuidoras cumpram as regras de mistura do biodiesel empacou na Casa Civil. A discussão foi paralisada porque os ministérios da Fazenda, chefiado por Fernando Haddad, e de Minas e Energia, conduzido por Alexandre Silveira, estão em lados opostos sobre como será feito o monitoramento desse mercado.

Na minuta de decreto enviada pelo Ministério de Minas e Energia para a Casa Civil, há um dispositivo que dá à Agência Nacional do Petróleo (ANP) acesso a informações diárias de notas fiscais de distribuidoras.

“Essa exigência visa garantir que os volumes de biodiesel declarados pelos agentes regulados sejam consistentes com as operações comerciais registradas, permitindo um controle mais eficiente da mistura obrigatória de biodiesel ao diesel”, afirma a pasta, em sua defesa do texto legal.

Mas a Fazenda tem opinião diferente. Segundo pessoas a par do trâmite legal, os auxiliares de Haddad se opuseram ao texto alegando que pode haver prejuízo a pequenos distribuidores e risco de quebra de sigilo fiscal.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou. A Casa Civil não respondeu.

O Ministério da Fazenda negou que a pasta seja contra a ampliação das punições em caso de descumprimento das obrigações na mistura de biocombustíveis, mas admitiu desacordo sobre o acesso da ANP aos dados fiscais.

“A discussão, neste momento, se deu apenas sobre regra de compartilhamento de informações detidas pela Receita Federal e sua adequação às regras que protegem o sigilo fiscal, por força de lei”, informou a pasta.

“O compartilhamento de dados fiscais é apenas um dos possíveis instrumentos para apoiar a fiscalização que já é realizada pela ANP atualmente. Existem diversos outros instrumentos para a comprovação de atendimento às obrigações de mistura de biocombustíveis, como a comprovação de estoque mínimo e de contratos de fornecimento em vigor.”

A fiscalização por meio de notas fiscais é um pleito da ANP para ampliar a fiscalização no setor de combustíveis. A alegação é que não há pessoal suficiente para testar o combustível bomba a bomba pelo País e que, no caso do biodiesel, a tarefa é ainda mais complexa porque só um equipamento de tecnologia mais avançada consegue fazer a verificação.

Atualmente, a ANP tem somente duas máquinas desse tipo para todo o Brasil. Cinco outros equipamentos deverão ser doados pela iniciativa privada após distribuidoras e produtores de biodiesel entrarem em acordo contra as fraudes no setor.

A discussão sobre o desrespeito às obrigações de misturar biodiesel ao diesel escalaram ao ponto de as distribuidoras solicitarem formalmente à ANP a suspensão da mistura para todo o mercado. A alegação foi que a falta de fiscalização do Estado permitiu que os postos piratas ganhassem mercado frente ao de bandeiras que respeitam as regras.

Pelas normas em vigor, a cada litro de diesel vendido nas bombas, 14% devem ser compostos por diesel de origem vegetal, ou seja, biodiesel, comumente fabricado a partir do óleo de soja.

Na véspera de a ANP deliberar sobre o pedido das distribuidoras, representantes de produtores e de comercializadores de combustíveis entraram em acordo: o pleito seria engavetado e ambos os lados brigariam para as fraudes serem combatidas. Entre as medidas defendidas estava apoiar a ANP no pleito para acessar os dados da Receita Federal.

O setor de combustíveis alega que a falta de fiscalização governamental vem permitindo que distribuidoras vinculadas ao crime organizado ou milícias ganhem terreno.

Na minuta de decreto elaborada pelo Ministério de Minas e Energia, a ANP poderia monitorar os estoques próprios e de terceiros para averiguar se as vendas estão compatíveis com o volume de diesel negociado por meio das notas fiscais. A agência então publicaria uma lista das distribuidoras com informações inconsistentes, que por sua vez teriam cortado o fornecimento de combustível.

Nos bastidores, os produtores de biodiesel se dizem insatisfeitos com a decisão da Fazenda e prometem pressionar o governo por meio de parlamentares ligados ao setor.

Nesta terça-feira, 15, Silveira visitará uma fábrica de etanol a partir do trigo no Rio Grande do Sul, da Be8 Energy, do empresário Erasmo Battistella, atuante também no biodiesel, e o tema deverá ser abordado.

O texto também reforça a punição para as distribuidoras que burlem as metas de descarbonização estabelecidas pela ANP para o setor de combustíveis. Atualmente, isso é feito por meio da compra de certificados, os chamados Cbios (créditos de descarbonização), de produtores rurais que capturam carbono da atmosfera.

Uma crítica recorrente das grandes distribuidoras é a de que apenas as líderes de mercado estavam respeitando as regras e adquirindo os certificados. Já distribuidoras menos conhecidas nem compravam os Cbios ou compravam títulos vendidos irregularmente.

Uma lei aprovada no ano passado buscou disciplinar esse mercado, estabelecendo punições mais severas para as distribuidoras que descumpram as regras, com multas que podem chegar a R$ 500 milhões e proibição de comercializar combustíveis. É esta lei que está sendo colocada em prática por meio do decreto presidencial.

Neste caso, a Fazenda afirma que é favorável à ampliação das punições para o descumprimento das regras da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).

“A participação de agentes que descumprem suas obrigações legais, regulatórias ou tributárias deve ser evitada e combatida pela administração pública”, informou a Fazenda. “O compartilhamento de dados fiscais pode contribuir com a atividade fiscalizatória da ANP, desde que feito em estrita observância do Código Tributário Nacional”, diz a pasta.

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