Fonte: O Globo
A estatal petrolífera bolivia na YPFB informou à Petrobras e à Ieasa, companhia de integração energética da Argentina, que acrise política no país, que resultou na renúncia de Evo Morales no último domingo, pode atrapalhar o cumprimento do contrato para fornecimento de gás, com flutuações no volume transportado ou interrupções. Até o momento, o envio do combustível segue normalizado. Empresários de setores fortemente dependentes de gás, como cerâmica e vidro, avaliam que, por ora, a situação é de tranquilidade, mas que o episódio reforça a necessidade de discutir um plano de contingência para evitar problemas.
A Petrobras tem um plano próprio de ação. As principais premissas, segundo fontes, envolvem a redução do consumo próprio de gás natural em suas plataformas, além da importação de Gás Natural Liquefeito (GNL). Os três terminais, situados na Baía de Guanabara, no Rio, na Bahia e no Ceará, têm capacidade total de importação de pelo menos 35 milhões de metros cúbicos de gás natural. A estatal conta com planos de contingência em todas as suas unidades de risco, como plataformas, terminais, dutos e refinarias.
— Além disso, o pré-sal tem produção crescente, o que assegura o abastecimento nacional. Mesmo em caso de acionamento mais elevado de usinas termelétricas, a Petrobras tem portfólio (projetos) para fazer frente às necessidades da demanda —diz uma fonte.
‘EVENTO DE FORÇA MAIOR’
A Petrobras é uma das principais compradoras do gás natural boliviano por meio do Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol) e recebeu um comunicado da YPFB na segunda-feira sobre eventual variação na entrega. Na carta enviada à argentina Ieasa, a estatal boliviana explica que um grupo de pessoas tomou um campo de produção e estações de bombeamento da empresa e que não descartava a invasão de outras instalações de produção ou de transporte de gás.
“A YPFB, ao encontrar-se impedida de cumprir suas obrigações no marco do contrato de compra e venda de gás natural, por um evento fora do seu controle, invoca a liberação do cumprimento de suas obrigações devido a um evento de força maior/caso fortuito ”, informou acarta.
Fontes do setor no Brasil foram informadas de que houve uma tentativa de invasão de manifestantes no campo de Carrasco, em Chapar e, na região central da Bolívia, que teria sido contida pelo exército boliviano. Essa área, que faz parte do departamento de Cochabamba, é um conhecido reduto eleitoral de Morales.
Segundo o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, existem alternativas para substituir o gás boliviano:
— Em caso de redução da oferta da Bolívia, podem ser adotadas medidas como aumento da importação de GNL e uso de combustíveis substitutos, como Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), óleo combustível ou diesel (para abastecimento de termelétricas).
Um plano de contingência do governo só seria acionado caso a Petrobras não conseguisse, com os recursos disponíveis, fazer frente às necessidades de gás do país. O artigo 50 da L eido Gás define as diretrizes de um plano de contingência nacional, que teria de ser determinado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e executado pelo Ministério de Minas e Energia.
MUDANÇA DE CENÁRIO
O abastecimento, porém, poderia ser garantido apenas coma importação de GNL, segundo especialistas. Em setembro, a oferta de gás nacional somou 67,1 milhões de metros cúbicos, enquanto o consumo ficou em 74 milhões. Na prática, a importação de gás boliviano responde por um volume de 7 milhões de metros cúbicos por dia do consumo nacional.
Fontes dizem ainda que hoje há extensa malha de gasodutos nas regiões Sudeste e Sul do país, que também é interligada ao Nordeste. Ou seja, o GNL pode chegar ao país a partir do terminal no Rio e ser enviado a outras regiões.
Na avaliação de especialistas, o cenário mudou depois de 2006, quando o então presidente Evo Morales anunciou a nacionalização das atividades petrolíferas. Desde então, a Petrobras desenvolveu um programa para reduzir a dependência que o país tinha na época do gás boliviano. A estatal construiu milhares de quilômetros de gasodutos, aumentou a produção de gás em suas plataformas e construiu três terminais de importação de GNL.
Atualmente, a Petrobras tem importado um volume da ordem de 15 milhões de metros cúbicos por dia. A crise boliviana deve atrasar as negociações em curso para uma revisão do contrato entre a YPFB e a estatal brasileira, que vence em dezembro. A redução do uso do Gasbol pela Petrobras é parte do plano do governo para aumentar a concorrência no setor e, com isso, estimular a queda dos preços dos combustíveis.
Lucien Belmonte, superintendente da Abividro, que reúne as empresas da indústria de vidro no país, não enxerga risco de desabastecimento. Destaca, porém, que o problema na Bolívia traz de volta à pauta o debate sobre planos de contingência a serem adotados quando isso ocorrer.
— A Petrobras teria condições de contornar qualquer problema com o gás boliviano, que tem participação muito pequena no total do país, com facilidade. Por outro lado, a situação mostra que temos de retomar a discussão sobre plano de contingência —alertou ele.
O setor de revestimentos cerâmicos acompanha os desdobramentos da crise boliviana. Manfredo Gouvêa Júnior, presidente do Conselho da Anfacer, que reúne a indústria do segmento, diz que ainda é cedo para saber se a crise política na Bolívia vai afetar o fornecimento de gás ao Brasil. Mas reforçou, por meio de nota, que é preciso organizar um plano B “caso seja necessário e existem alternativas a serem avaliadas”.