Valor Econômico
O presidente Jair Bolsonaro assinou ontem, em cerimônia no Palácio do Planalto, a medida provisória que permite a produtores e importadores venderem etanol hidratado diretamente aos postos de combustíveis, sem intermediação dos distribuidores. A proposta também possibilita a comercialização pelos postos “bandeirados” de combustíveis de fornecedores diferentes daqueles ligados à marca comercial exclusiva, “devidamente sinalizado ao consumidor”.
A assinatura da MP atendeu a um pleito antigo das usinas de álcool do Nordeste e foi celebrada como “possibilidade” de reduzir o preço dos combustíveis na bomba. O movimento desagradou as distribuidoras, que acusaram o governo de atropelar os trabalhos de consulta pública e regulamentação dos temas em curso na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Em nota, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) disse ter sido surpreendido e que a MP não terá efeito sobre os preços. A entidade defendeu a regra em vigor para o funcionamento do mercado de postos de revenda, que admite os modelos com e sem exclusividade de marca, como forma de garantir a origem aos clientes.
“Isso assegura aos consumidores de combustíveis de todo o país a garantia de que os produtos da marca estampada nos postos tenham origem na distribuidora com a qual o revendedor mantém uma parceria comercial”, afirmou. Os postos de combustíveis têm a opção de ostentar ou não marcas comerciais de distribuidora. Os chamados postos “bandeira branca” representam 47% do mercado.
A necessidade de instalação de novas bombas, tanques e sinalização nos postos para a venda de marcas diferentes deve implicar custos adicionais que serão repassados ao consumidor, disse uma fonte graduada do setor. “A MP foi uma forma de atropelar a ANP, que ainda não concluiu o processo de regulamentação”, acrescentou.
Segundo a fonte, em audiência pública em julho, diversas entidades da cadeia de distribuição e órgãos de defesa dos direitos do consumidor apresentaram posições contrárias à flexibilização da fidelidade à bandeira. “Não existem estudos de impacto econômico dessa medida, nada que comprove que vão ocorrer melhorias.”
A Casa Civil rebateu a acusação de “atropelo” no processo e informou que a MP prevê a regulamentação do tema pela ANP em até 90 dias. “Não há conflito ou antecipação de uma em relação à outra, mas, sim, complementariedade, com o objetivo de liberar o mercado de combustíveis para a busca de preços mais atrativos ao consumidor final”, afirmou em nota.
Na cerimônia, Bolsonaro afirmou que “a grande maioria dos usineiros” é favorável à venda direta de etanol aos postos, assunto que entrou no seu radar antes da campanha de 2018, mas que existe “gente importante” contra a medida. “Não é fácil, tem que quebrar resistências. Tem lobby, tem gente importante trabalhando contra.”
Em tom menos imperativo que antes, o presidente disse que a MP “não é garantia de que vai baixar o preço” dos combustíveis e que “se Deus quiser, tramitará sem percalços no Congresso Nacional”, onde um projeto de decreto legislativo com a mesma finalidade, apresentado em 2018, ainda não vingou.
Bolsonaro voltou a criticar governadores e a cobrar a fixação de alíquotas de ICMS nos Estados sobre combustíveis, gás de cozinha e energia. Ele sugeriu a criação de uma proposta para impedir a cobrança do imposto estadual sobre o valor da bandeira vermelha nas contas de luz. Os governadores cobram [o ICMS] em cima da bandeira, quem paga a conta sou eu”.
Produtores de etanol do Nordeste avaliaram que a MP moderniza o mercado e abre caminho para uma alternativa à exclusividade dos distribuidores. Entidades calculam redução de R$ 0,20 por litro do combustível com a venda direta e custo logístico até 30% menor na ponta de consumo.
Nesse modelo, os produtores vão concentrar o recolhimento de impostos federais, como PIS e Cofins, em um sistema dual de tributação para “mitigar o risco de sonegação fiscal”, afirmou o governo. Na venda via distribuidoras, a arrecadação continua separada. A criação de “duas formas de recolhimento” facilita desvios e dificulta a fiscalização, diz uma fonte.
“Trará maior competitividade, eficiência, desburocratização e agilidade, além de outras importantes rupturas para modernizar o mercado, com ganhos de consumo, proporcionando melhor remuneração aos produtores e preços mais atrativos aos consumidor”, disse Renato Cunha, presidente da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio).
A proposta ainda retira a isenção de tributos federais ao etanol anidro importado. As medidas entrarão em vigor no quarto mês após publicação da MP, prevista para hoje, para dar tempo aos Estados para se adaptarem em relação à cobrança do ICMS e cumprirem o prazo de 90 dias conforme a lei.
Fonte: Valor Econômico