Folha de São Paulo
As petrolíferas dos EUA cortaram gastos e paralisaram as plataformas de perfuração, à medida que as tarifas do presidente Donald Trump elevam os custos e a queda nos preços do petróleo reduz os lucros, levando executivos a alertar que o boom de xisto de uma década está chegando ao fim.
Decisões surpreendentes do cartel da Opep+ para bombear mais petróleo agravaram o clima sombrio no setor petrolífero dos EUA, despertando temores de uma nova guerra de preços e levando analistas a reduzir as previsões de produção.
“Estamos em alerta máximo neste momento”, comentou Clay Gaspar, diretor executivo da Devon Energy, aos investidores neste mês. “Todas as opções estão na mesa enquanto entramos em um ambiente mais difícil.”
A produção de petróleo cairá 1,1% no próximo ano para 13,3 milhões de barris por dia, de acordo com a S&P Global Commodity Insights, enquanto os produtores prolíficos de xisto que tornaram os EUA o maior produtor mundial paralisam plataformas diante de preços reduzidos por temores de excesso de oferta e a guerra comercial de Trump.
Isso marcaria o primeiro declínio anual em uma década, excluindo a pandemia de 2020, quando o colapso da demanda levou os preços do petróleo para abaixo de zero e desencadeou falências generalizadas em estados como Texas e Dakota do Norte, ambos nos EUA.
Os preços do petróleo no país fechou em baixa novamente na sexta-feira (23), terminando a semana em US$ 61,53 (R$ 347,48) por barril, cerca de 23% abaixo do ponto mais alto deste ano. Os produtores de xisto precisam de um preço de petróleo de US$ 65 por barril para ter o ponto de equilíbrio, de acordo com a pesquisa trimestral de energia do Federal Reserve Bank of Dallas.
“A palavra de ordem agora é aguentar firme”, afirmou Herbert Vogel, diretor executivo da SM Energy, durante a conferência Super DUG em Fort Worth.
Uma queda na produção encerraria uma impressionante trajetória no setor energético dos EUA, onde a revolução do xisto entregou volumes cada vez maiores de petróleo e gás baratos para abastecer a economia, um impulso ao PIB (Produto Interno Bruto) e aos mercados de trabalho, e um aumento nas exportações que melhorou a balança comercial do país.
A crescente produção de xisto também acabou com a dependência dos EUA de fornecedores estrangeiros como a Arábia Saudita e outros membros do cartel da Opep, ao mesmo tempo em que liberou a Casa Branca para atingir exportadores como Irã, Rússia e Venezuela com sanções.
Trump prometeu “liberar” mais perfuração e produção em uma tentativa de garantir a “dominância energética” dos EUA. Mas a produção, que atingiu um recorde histórico sob seu antecessor Joe Biden, pode despencar mais se os preços continuarem caindo.
Scott Sheffield, ex-diretor da empresa de perfuração de xisto Pioneer Natural Resources, afirmou ao Financial Times que se o petróleo cair para US$ 50 (R$ 282,36) por barril, a produção dos EUA provavelmente perderia até 300 mil barris por dia —mais do que a produção total de alguns membros menores da Opep.
A decisão de Riad de bombear mais petróleo nos últimos meses seria uma ameaça direta à participação dos produtores norte-americanos no mercado global, analisou Sheffield.
“A Arábia Saudita está tentando recuperar participação de mercado e provavelmente conseguirá nos próximos cinco anos”, comentou o especialista.
A contagem de plataformas de petróleo em terra nos EUA, um termômetro da atividade de perfuração, era de 553 na semana passada, 10 a menos que na semana anterior e 26 a menos que há um ano, de acordo com a empresa de serviços petrolíferos Baker Hughes.
Alguns grandes produtores já estão cortando empregos. Chevron e BP anunciaram juntas 15 mil demissões em todo o mundo, embora nos EUA até agora o emprego no setor tenha permanecido relativamente estável este ano, segundo o órgão de estatísticas oficiais dos EUA.
Os 20 principais produtores de xisto dos EUA, exceto ExxonMobil e Chevron, reduziram seus orçamentos de despesas de capital para 2025 em cerca de US$ 1,8 bilhão (R$ 10,16 bilhões), ou 3%, de acordo com a Enverus, uma empresa de pesquisa em energia.
“Como operadores, não podemos controlar o macro, mas podemos controlar como respondemos”, disse Vicki Hollub, diretora executiva da Occidental Petroleum, que reduziu o número de plataformas em duas no primeiro trimestre.
Muitas empresas cortarão mais se os preços atingirem US$ 50 por barril —o preço que funcionários de Trump indicaram que ajudaria a conter a inflação.
“Neste ambiente, abandonamos as plataformas e recompramos ações”, indicou Travis Stice, presidente e diretor executivo da Diamondback Energy, que recentemente alertou os investidores que a produção de petróleo dos EUA provavelmente atingiu o pico. “Cada conversa que tive indica que este preço do petróleo não funcionará.”
Mas as outras políticas do presidente também estão abalando o setor. As tarifas elevaram os preços do aço e do alumínio —insumos cruciais no setor petrolífero. O preço do revestimento, o metal usado para revestir poços e a maior despesa para perfurar um poço, aumentou 10% apenas no último trimestre.
“A economia será desafiada. Veremos mais retração de capital à medida que os trimestres avançam”, avaliou Doug Lawlor, diretor executivo da Continental Resources, uma das maiores empresas de energia de capital fechado do país.
Isso forçará as empresas a se protegerem ainda mais enquanto tentam manter os investidores de Wall Street satisfeitos, protegendo o fluxo de caixa livre para pagar dividendos e quitar dívidas.
“Você precisa se concentrar nos dividendos, eles são sagrados neste ambiente”, disse Jim Rogers, sócio da empresa de investimentos Petrie Partners.
(Financial Times)