Fonte: Valor Online
Um dia depois de Jeanine Áñaez ter assumido a Presidência da Bolívia, a turbulência continuou no país e começou a afetar o crucial setor de gás natural. Ontem um grupo invadiu um campo e paralisou o gasoduto que abastece La Paz, Oruro e Cochabamba. O incidente não afetou as exportações de gás para o Brasil, cujo abastecimento vem de Tarija, no sul. Mas o envio de gás para Brasil e Argentina não está livre de riscos, já que a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) alertou os países vizinhos sobre a possibilidade de interrupções por motivos de força maior.
O gasoduto Carrasco-Cochabamba, que atravessa a região central do país, parou de operar na noite de terça-feira em virtude de uma inesperada queda de pressão. A YPFB, no entanto, afirmou que desconhece os motivos.
O campo foi tomado e a estação de compressão local foi desligada. Quanto isso acontece, o gasoduto fica sem pressão para manter o fluxo de gás, disse uma fonte do setor de gás que não quis se identificar. Esse caso não afetaria o fornecimento para Brasil e Argentina, porque esses dependem de campos mais a oeste, como os de Santa Cruz, e mais ao sul, como Tarija.
A maior parte dos gasodutos é bem protegida, mas eles não são completamente impenetráveis, pois estão em regiões mais isoladas do país, afirma Roberto Laserna, do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social, em La Paz. O risco de outros gasodutos serem atingidos, portanto, existe.
Na segunda-feira à noite a YPFB enviou à Petrobras um comunicado informando que poderia ocorrer eventuais atrasos no envio de gás por força maior. A Petrobras disse, no entanto, que não há impacto no suprimento de gás natural da Bolívia para a empresa.
A TBG, que tem a Petrobras como acionista majoritária e opera o gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), disse ontem que o duto vem operando normalmente com gás natural recebido da Bolívia, utilizando inclusive a sua capacidade máxima de transporte. Segundo a TBG, os volumes diários programados de gás natural para os pontos de entrega nos Estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul estão normais.
A situação de instabilidade e tensão continuou ontem na Bolívia. Cidades como a capital La Paz continuaram palco de conflitos entre apoiadores do ex-presidente Evo Morales e opositores. Exército e polícia continuam realizando operações conjuntas nas ruas.
Na tarde de ontem, Áñaez recebeu aval do Tribunal Constitucional boliviano para assumir a Presidência da República, depois da renúncia de Morales e seu vice, Álvaro García Linera, e os próximos da linha de sucessão – a presidente do Senado, o presidente da Câmara e o primeiro vice-presidente do Senado.
A presidente interina anunciou seu Gabinete de ministros e nomeou Carlos Orellana Centellas como novo comandante das Forças Armadas. Disse ainda que dois grandes objetivos de seu governo são convocar eleições gerais, mas sem data ainda, e derrogar a sentença constitucional que permite a reeleição indefinida – que permitiu Morales de disputar a eleição de 20 de outubro.
Apesar de ter apoio de setores da oposição que se uniram contra Morales, Áñaez carece de apoio no Legislativo para tomar os próximos passos para tirar a Bolívia da crise atual.
O mais importante agora é nomear o Tribunal Superior Eleitoral, e para isso precisa ter quórum, diz Luis Carlos Jemio, do Instituto de Estudos Avançados em Desenvolvimento, ao lembrar que o Movimento ao Socialismo (MAS), de Morales, tem maioria de dois terços na Câmara e no Senado. Será complicado. Acho difícil termos um novo presidente em 22 de janeiro [data prevista para a posse].
Um acordo para tirar a Bolívia da crise política e institucional que mergulhou desde a eleição de 20 de outubro passa por um grande acordo com o MAS, afirma Filipe Carvalho, da consultoria Eurasia. A maior questão aqui será a maneira com que Jeanine conseguirá negociar interesses da oposição atual [apoiadores de Morales] e a participação do MAS em um processo eleitoral novo, diz. Não podemos esquecer que o partido de Morales tem maioria qualificada no Legislativo e que Áñaez terá de buscar um equilíbrio bastante delicado, acrescentou.
No México, onde recebeu asilo, Morales convocou um diálogo nacional com acompanhamento de organismos internacionais na Bolívia. Disse ainda que se o povo pedir, está disposto a voltar a seu país. (Colaborou Rodrigo Polito – com agências internacionais)