Após crítica de Bolsonaro, Inmetro diz que vai intensificar fiscalização em postos de gasolina

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O Globo

Duramente criticados no fim de semana pelo presidente Jair Bolsonaro, órgãos públicos, como o Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) do Ministério da Economia e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), decidiram intensificar os trabalhos de fiscalização nos postos revendedores de combustíveis.
Acusado por Bolsonaro de não averiguar de forma satisfatória os volumes de combustíveis vendidos nos postos revendedores, o Inmetro informou que está articulando ações com outros órgãos para intensificar fiscalização nas bombas medidoras. A Senacon estabeleceu, nesta terça-feira, um prazo de dez dias para que as distribuidoras expliquem sua política de descontos aos consumidores em aplicativos.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmaram que essas instituições já deveriam realizar operações rigorosas de fiscalização em um setor tão cartelizado e repleto de irregularidades. Para Claudio Considera, economista da Fundação Getúlio Vargas, é preciso ter cuidado, para não confundir esse trabalho com políticas populistas.
— Os orgãos fiscalizadores deveriam atuar sempre, ainda mais em uma economia cartelizada. Fiscalização, contudo, deve mirar os excessos, cartéis, dumping e oligopólios. Não deve ser confundida com políticas populistas de controle de preços. Preços represados um dia explodem, e já vimos este filme várias vezes — advertiu Considera.
No último sábado, Bolsonaro afirmou que a formação de preços dos combustíveis no Brasil é uma caixa preta. Ele criticou a qualidade dos produtos e disse que a gasolina e o óleo diesel poderiam ser 15% mais baratos, se os órgãos de fiscalização estivessem “funcionando”. Ele também mencionou a Receita Federal e a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), concorda que é preciso atenção total a um setor responsável por cerca de R$ 21 bilhões em sonegação e que lesa o consumidor de várias maneiras, como a venda de combustíveis em volumes menores do que a quantidade informada na bomba e gasolina adulterada em sua composição.
— Ao longo do tempo não se tem feito o dever de casa e o consumidor sai perdendo. É preciso uma atuação mais firme contra as fraudes — enfatizou.
Em resposta ao GLOBO, o Inmetro destacou que, independentemente dessa articulação com instituições como a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a própria polícia, são realizadas operações de campo durante todo o ano, por meio da Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade Inmetro.
Em 2020, primeiro ano de pandemia, foram 318.581 operações de verificações. Em 2019, antes do surto de Covid-19, foram 416.522 incursões.
O Inmetro também informou que está em fase de implantação da certificação digital das bombas medidoras de combustíveis em todo o país.
A assinatura digital é feita no “pulser”, um componente da bomba que integra o transdutor, dispositivo responsável pela conversão da energia gerada pelo abastecimento na informação digital que o consumidor vê na bomba, com a quantidade de volume entregue.
“Com as mudanças, essa informação passa a contar com uma assinatura digital, que aumenta a segurança. Para isso, o Inmetro operará como uma autoridade certificadora de objetos de primeiro nível na infraestrutura de chaves públicas brasileira (ICP-Brasil), algo inédito no Brasil”, ressaltou o órgão.
“Esse processo está sendo conduzido junto ao Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), que é a autoridade certificadora raiz, o órgão legal e tecnicamente competente para estabelecer os padrões criptográficos referenciais para assinaturas nas comunicações que envolvem a administração pública federal”, completou.
Esta é a segunda vez que Bolsonaro reclama da atuação do Inmetro. Há exatamente um ano, o presidente declarou que iria “implodir” o instituto e anunciou a demissão de toda a diretoria, por causa da exigência do órgão de que tacógrafos (equipamento usado para controlar a velocidade de caminhões) e taxímetros fossem trocados.
Governo dá 10 dias para distribuidoras esclarecerem descontos
Vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) estabeleceu, nesta segunda-feira, dez dias para que as principais distribuidoras de combustíveis para apresentarem esclarecimentos sobre a utilização de aplicativos de smartphone para concessão de descontos e outros benefícios aos usuários.
A Senacon também quer informações sobre os dados dos consumidores capturados pelos aplicativos, a garantia de qualidade dos combustíveis e a composição de preço dos combustíveis.
A secretária Nacional do Consumidor, Juliana Domingues, afirmou que as notificações dão continuidade ao trabalho de monitoramento de mercado feito pela Senacon, para “aprimorar as atividades regulatórias e promover o aumento da concorrência e a harmonia das relações de consumo no mercado de combustíveis líquidos, GLP e derivados de petróleo, gás natural e biocombustíveis.”
— As respostas às notificações serão analisadas de forma crítica, a fim de identificar como é tratada a relação entre as distribuidoras e revendedoras na composição de preços e na qualidade dos combustíveis fornecidos aos consumidores e como têm sido utilizados os aplicativos para fidelização de consumidores — disse o coordenador-geral de Estudos e Monitoramento de Mercado da Senacon, Frederico Moesch.
A ANP informou que está trabalhando para ampliar as fiscalizações e inclusive as parcerias com instituições como o Inmetro, secretarias de Fazenda estaduais e Procons.
Especialista em defesa da concorrência, o advogado José Del Chiaro disse estar mais preocupado com uma possível intervençao nos preços da Petrobras, uma companhia de capital aberto. E aponta as ameaças dos caminhoneiros como pano de fundo para essa atitude de Bolsonaro.
— O governo brasileiro não consegue segurar uma greve de caminhoneiros — afirmou.

Fecombustível diz que já há fiscalização
Paulo Miranda Soares, presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), diz que o aumento da fiscalização é positivo para o consumidor. Ele nega que a composição dos preços dos combustíveis seja uma “caixa-preta”.
– De todas as mercadorias, os combustíveis são os que têm os preços mais transparentes. Todas as informações estão no site da Agência Nacional do Petróleo. Eles monitoram o preço em diferentes cidades do país. Sempre abrimos as planilhas de preços para o Ministério Público quando somos acusados de abuso de preços – disse Miranda.
Para ele, uma das principais mudanças para permitir que o preço dos combustíveis seja detalhado nos cerca de 40 mil postos do país é obrigar as distribuidoras a detalharem na nota fiscal o valor referente aos impostos como PIS/Cofins, Cide e ICMS. A estimativa é que cerca de 44% do preço final da gasolina sejam referentes aos tributos e de 25% no caso do diesel. Mas, como o ICMS tem alíquotas diferentes em estados, o peso da carga tributária pode chegar a quase 50%.
– Quando os postos compram os combustíveis nas distribuidoras todos os impostos já foram recolhidos. Com essas informações na nota fiscal da distribuidora, será possivel mostrar isso nos postos. Não acho que há essa gordura de 15% para queimar como diz o presidente, já que a margem de lucro dos postos é de 9,8% em média, valor que chega a 5% nas grandes cidades onde há mais concorrência – afirmou Miranda.
Ele diz que os postos hoje já contam com fiscalização de diferentes órgãos. Segundo ele, a ANP é a responsável por analisar a origem do combustível, a qualidade e as mais de 20 licenças necessárias para que a revenda possa operar. Há ainda o Instituto de Pesos e Medidas (Ipem), instituição estadual que é credenciada pelo Inmetro, que é responsável por analisar o volume vendido e o estado das bombas. O Procon também pode analisar a qualidade do comsbustível, além de verificar o abuso de preços ao consumidor.
– Sempre cobramos aumento de fiscalização, pois há muitas de denúncias de bombas fraudadas – citou Miranda.

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