Bom para quem? Confira matéria especial sobre os apps das distribuidoras

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Aplicativos de combustíveis, uma revolução espetacular, mas que imputa altíssimos custos para o revendedor e rouba clientes dos empresários.

Fonte: Revista Minaspetro / Julho 2020

Em 2016, a Ipiranga lançou o primeiro aplicativo de pagamento/fidelidade para o mercado de combustíveis no Brasil. Rapidamente, a modalidade, que inclui programas de pontuação para troca de diversos produtos/serviços, caiu no gosto dos consumidores. Com apenas cinco anos de funcionamento, são 3,7 milhões de usuários ativos, que fizeram triplicar as vendas de combustíveis aditivados, de acordo com a própria companhia. No total, foram R$ 4 bilhões em mais de 40 milhões de abastecimentos.

Felipe Bretas, dono da Rede Bretas, percebeu a tendência logo nos primeiros meses. Aderiu ao programa com a promessa de ganho de volume de vendas, e ela se concretizou. “Caiu no gosto do pessoal, sem dúvida”, avalia. “Os descontos são consideráveis, e há muitas vantagens para o cliente. Por isso, se eu decidir abandonar a modalidade, certamente perderei um pouco em volume.”

O sucesso com os clientes e algumas vendas a mais nos postos não significam, no entanto, que o aplicativo não precise ser aprimorado. Precisa, sim – e muito. Os revendedores de maneira geral não estão satisfeitos com o modelo de negócio proposto pelas companhias – e a avaliação inclui o Shell Box e o Premmia/AME.

O fato de as companhias não compartilharem os dados dos clientes do posto, as taxas fora da realidade do mercado até mesmo para pagamento em dinheiro, o direcionamento do consumidor por meio do aplicativo, a instabilidade do sistema e a obrigatoriedade de adesão ao plano de marketing estão no topo da lista de reclamações dos revendedores. “A Ipiranga tem prometido nos dar acesso às informações do nosso cliente, mas não está cumprindo”, reclama Felipe.

Afinal, de quem é o cliente? Da companhia, que detém a marca na testeira do posto, ou do estabelecimento, que recebe o cliente, destaca um funcionário treinado para atendê-lo, arca com elevados custos operacionais para manter a estrutura da Revenda em funcionamento e sofre com a concorrência pesada do mercado?

Quem esteve no Vale do Silício em 2019, para participar do módulo internacional do curso ofertado pelo Minaspetro e pela Fundação Dom Cabral, voltado para inovação na Revenda de combustíveis, viu de perto os especialistas insistirem que informação sobre o consumidor (faixa etária, perfil comportamental, região em que reside, preferências de compra e dados para contato) é o ativo mais valioso do mercado na atualidade – e, certamente, continuará a sê-lo no futuro. Lá dizem: “Data-lake is the new oil”, ou seja, informação é o novo petróleo. As distribuidoras sabem disso, por isso a relutância em compartilhar os dados com os revendedores, seus parceiros de negócios.

ABORDAGEM CONTRA O REVENDEDOR

A utilização dos dados com o intuito de direcionar o cliente está entre as reclamações graves recebidas pelo Minaspetro. Revendedores insatisfeitos com as condições comerciais impostas pelas distribuidoras acabam se desbandeirando, uma movimentação natural que ocorre quando, numa negociação entre parceiros, uma das partes é prejudicada. Para surpresa dos empresários, clientes cadastrados nos aplicativos já começam a receber mensagens das distribuidoras informando que determinado posto a que eles estão acostumados a se dirigir não fazem mais parte do programa da rede ou não oferecem mais sistemas facilidades do app. Ao cliente, por sua vez, não resta outra saída senão encaminhar-se a outra Revenda para continuar a ter os descontos.

Esta é uma prova de que as distribuidoras estão tratando os clientes se fossem seus, e não do posto. A dúvida sobre de quem é o cliente, principalmente em tempos de pandemia, pode encontrar uma solução, entretanto, no artigo 26 da Resolução 41 da ANP. Ela é taxativa ao proibir que as companhias vendam combustível direto ao consumidor, ou seja, não deve haver relação de consumo entre o cliente a distribuidora, o que poderia configurar verticalização, atualmente proibida pela Agência.

O Departamento Jurídico Cível/Comercial do Minaspetro já se manifestou extrajudicialmente para se posicionar contrariamente à maneira como as empresas têm agido, considerada ilegal pelo advogado Arthur Villamil. Nada impede que as empresas levem adiante suas estratégias de marketing personalizado junto ao cliente, mas é direito do revendedor ter acesso aos dados para que ele também faça a sua abordagem e a livre concorrência seja assegurada.

Na análise de Villamil, a distribuidora não pode ser impedida de se comunicar com o cliente, contudo direcionar intencionalmente o cliente para outro posto pode caracterizar “desvio de clientela”, a despeito de a parceria com o Abastece Aí ter se encerrado.

Carlos Guimarães, presidente do Minaspetro, comenta a tendência dos apps de pagamento e como ela se consolidou também no setor de Revenda. “Sem dúvida é uma inovação vanguardista, necessária e revolucionária. Agora os clientes são identificados, podem ser recompensados e receber um atendimento personalizado. Parabéns para a Ipiranga, que saiu na frente! Agora Petrobras com o AME e Shell com o Shell Box correm atrás do prejuízo para entender quem são seus clientes e como fidelizá-los.” O presidente reitera o pioneirismo da Ipiranga e o grande número de clientes que ela conseguiu desde 2016. Ele acredita, inclusive, em algumas especulações de que o aplicativo se tornará um banco digital.

PLACAS, PREÇOS E PROBLEMAS

Até mesmo as placas de preços se tornaram controversas em tempos de pagamento por aplicativos. No final do ano passado, revendedores enfrentaram problemas com a publicidade do Abastece Aí – clientes eram atraídos pela sinalização das placas e, ao chegarem à pista, se irritavam ao saberem que o valor não correspondia ao anunciado, apenas para os clientes que estivessem habilitados a usar o desconto máximo previsto no aplicativo, que não está acessível sempre para todo e qualquer cliente.

Diante do imbróglio, revendedores foram fiscalizados pela ANP e Procon, que ordenou a retirada das placas de preços do programa Abastece Aí. A alegação era que, como os valores expostos não correspondiam necessariamente ao que era visto no display da bomba, obviamente não poderiam ser estampados. Na visão daquela fiscalização, o preço real, na verdade, não corresponderia ao que é divulgado na placa de preços, nem mesmo para quem é usuário do aplicativo. O desconto dado pela Ipiranga é variável, isto é, o cliente pode escolher entre ter um abatimento de 2% a 5% ou acumular pontos para troca de benefícios. O que de fato acontece é que o cliente não ganha desconto. Ele troca pontos acumulados em um abastecimento sem desconto pela possibilidade de um desconto randômico que varia entre 2 e 5%.

Trata-se de uma situação em que o revendedor se vê diante de um impasse: seguir as instruções dos órgãos reguladores/fiscalizadores – o Procon Estadual também considerou a situação “enganosa” para o consumidor – e perder volume de vendas, uma vez que toda a campanha da distribuidora é calcada em preços, ou manter as placas e correr o risco de ser autuado.

À época, a Ipiranga emitiu nota oficial orientando os revendedores aderentes ao programa de fidelidade que não retirassem as placas por não estarem infringindo quaisquer normas da ANP ou do Procon. Até hoje, segundo Flávia Lobato, advogada do Departamento Jurídico Cível do Minaspetro, não há segurança jurídica sobre qual decisão tomar, ou seja, mais uma vez, o revendedor, o elo mais fraco da cadeia produtiva de combustíveis, arca com o risco de multas e sanções da companhia por descumprimento do contrato do Abastece Aí.

O presidente do Minaspetro faz ainda uma análise mais estratégica dos aplicativos. “Nos últimos anos, todas as distribuidoras e muitos revendedores investiram pesadamente para transformar a experiência de abastecimento, ‘descomoditizar’ o combustível, ou seja, criar diferenciais, propiciar uma agradável experiência no posto: novas imagens, conveniências espetaculares, novas trocas de óleo, tudo para transformar A Revenda em um posto de serviços. Os aplicativos são ferramentas tecnológicas sensacionais para essa nova experiência, mas por que destruir a imagem que nos esforçamos muito para conquistar? Trabalhamos para conseguir um alto valor agregado para o consumidor, com um abastecimento com comodidade e personalização para o cliente. Por que as distribuidoras querem acabar com isso exclusivamente com com uma estratégia de preços?”

O AME/PREMMIA

A pandemia fez com que a BR se apressasse para firmar uma parceria com a B2W, empresa que controla Lojas Americanas, Shoptime e Submarino, para utilizar uma nova versão de seu app de pagamentos, o AME.

As condições iniciais propostas para a adesão do revendedor foram definidas como um “verdadeiro sonho” pelo presidente do Minaspetro, Carlos Guimarães. Isso porque as taxas se encontram bem abaixo das praticadas no mercado – 0% nos primeiros 90 dias e 0,5% nos nove meses restantes até 12 meses.

A pergunta que fica é: até quando as condições vão perdurar? O revendedor conhece o modus operandi das empresas que trabalham com taxas de pagamento. Os acordos iniciais para adesão são sedutores, afinal, elas precisam de uma robusta carteira de clientes para fazer volume. Quando o contrato é assinado, não há cláusula que verse sobre reajuste na cobrança nem sobre de quanto será – e é exatamente aí que mora o perigo. Quando o empresário se dá conta, já está atrelado a um contrato em que as condições esmagam ainda mais as margens de lucro dos revendedores. Por exemplo, a taxa que o aplicativo AME cobra hoje de quem não é parceiro da BR é de 3,25%; o valor será mantido?

Um revendedor dono de uma grande rede mineira, que não quis se identificar e que possui muitos postos da bandeira BR, se mostrou preocupado com a forma como as companhias vêm tratando o revendedor no que diz respeito aos apps. Ele vê com desconfiança as taxas iniciais praticadas pelo AME. “O mínimo é que elas tenham taxas competitivas com as adquirentes com que já trabalhamos.” O presidente do Sindicato comenta a parceria AME/Premmia. Ele explica que a BR tem investido pesado para atrair os consumidores, concedendo 10% de desconto em todos os abastecimentos por um ano. “Como isso é possível? Um posto de gasolina não ganha 10% de margem! Conceda este desconto para o revendedor!”, pede Carlos Guimarães. “Todo esse investimento da BR juntamente com a B2W no app AME foi pensado para comprar uma grande base de dados dos nossos clientes.” Fábio Croso, revendedor que possui posto de bandeira BR, levanta ainda uma questão importante de segurança de pagamento do AME. Segundo ele, não há comprovante da efetivação da compra. A plataforma disponibiliza um portal para que seja realizado um extrato, mas neste mesmo site é possível cancelar uma transação, o que abre margem para fraudes.

Ele prevê que 30% de todas as vendas serão realizadas pelos apps em um futuro breve, sendo que as taxas serão o dobro daquelas das adquirentes. Além disso, com essa forma adotada hoje, todos os clientes passam a pertencer à distribuidora, enquanto o revendedor nem sabe quem são eles. Alguns empresários mais pessimistas afirmam que, como esses clientes fidelizados são do aplicativo, as distribuidoras podem alegar que elas não vão pagar remuneração dos seus contratos por essas vendas, ou seja, os revendedores estarão correndo o risco de ver as renovações contratuais caírem de 30% a 40%.

É importante alertar ainda o revendedor para o fato de que a Ipiranga, Shell e BR têm recorrido a uma espécie de “venda casada” na adesão ao app. O revendedor precisa aceitar o plano de marketing da companhia para ter acesso às vendas pelo aplicativo e fazer parte da rede.

O presidente do Minaspetro conclui deixando um recado para as companhias distribuidoras. “Como revendedor, gostaria de reiterar que sou a favor dos aplicativos, parabenizo as distribuidoras pela inovação, mas gostaria que os postos tivessem acesso aos dados dos seus clientes, que as taxas fossem competitivas, menores que os valores da adquirência, e, por fim, que elas se abstivessem das propagandas de preços que confundem os consumidores e retiram valor do nosso negócio.”

O QUE DIZEM AS DISTRIBUIDORAS

A reportagem entrou em contato com as três grandes companhias para que elas se posicionassem sobre os pontos principais de todo o imbróglio – taxas, compartilhamento de dados e instabilidade do sistema.

Miguel Lacerda, diretor Comercial da Rede Ipiranga, se baseia na nova Lei de Geral de Proteção de Dados para defender o rigor no sigilo dos dados, ao mesmo tempo em que informa que a companhia está investindo em uma plataforma para oferecer ferramentas aos revendedores, para que o empresário possa planejar e realizar ações locais voltadas para os clientes.

Sobre as taxas praticadas, algumas delas maiores do que as trabalhadas pelas adquirentes de cartão, o diretor diz que as cobranças dizem respeito aos custos de transação do sistema e se destinam a cobrir parte do desconto oferecido. Já em relação à instabilidade da plataforma, ele enfatiza que os usuários do aplicativo o avaliam bem nas lojas virtuais, embora não mencione o grau de satisfação dos revendedores.

Quem respondeu aos questionamentos da Revenda pela Shell foi Marcelo Couto, diretor de Marketing da Raízen. Ele também justifica o sigilo dos dados em função da Lei Geral de Proteção de Dados, contudo admite a importância de os empresários conhecerem mais de perto os hábitos de consumo dos clientes. Quando os revendedores começam a utilizar o Shell Box no posto, segundo ele, passam a ter acesso a informações consolidadas importantes, tais como frequência e tipo de combustível abastecido. Elas são disponibilizadas por meio de plataforma especialmente criada pela Raízen para essa finalidade, que os auxilia a ajustar a rotina da Revenda e melhorar a experiência do consumidor, dada a gestão mais eficiente e rentável que daí resulta. “Além disso, para apoiar ainda mais o revendedor a fidelizar os clientes, lançaremos, em julho, o ‘Minhas Campanhas’, plataforma que permite ao revendedor criar dinâmicas próprias para promoções via Shell Box”, adianta. O problema é que de acordo com os próprios termos de uso do Shell Box (Item 7), a empresa informa ao usuário informações pessoais do cliente podem ser compartilhadas “com empresas afiliadas e parcerias comerciais credenciadas.” Por que a demora na liberação das informações para os revendedores bandeirados?

A empresa acrescenta ainda que, por meio do app, o proprietário de posto poderá conceder descontos e premiações para engajar ainda mais seus consumidores, competindo à Raízen a segmentação e disparo das promoções, de acordo com a inteligência por ela construída a partir da recorrência dos usuários. Sobre as taxas, o porta-voz da empresa elenca os diferenciais oferecidos pelo aplicativo, que impactam o aumento do tíquete médio do revendedor, como maior abastecimento de gasolina aditivada.

O pagamento em dinheiro também começou a ser disponibilizado pelo app da Shell, em julho, com taxa zero. A dinâmica para o pagamento nessa modalidade, segundo Marcelo, será simples: o cliente solicita o abastecimento ao frentista e informa no app que o pagamento se dará em dinheiro. Encerrado o abastecimento, o sistema emite um comprovante da operação, que deixará claro ao frentista o valor a ser cobrado do cliente. O diretor afirma ainda que a empresa está em constante aprimoramento do sistema para minimizar os erros de conexão.

A BR distribuidora, por sua vez, respondeu por meio de sua assessoria de imprensa que está nos planos o desenvolvimento de ferramentas específicas para permitir ao revendedor acessar os clientes cadastrados no Premmia. A maior empresa de distribuição de combustíveis do país destacou ainda as taxas diferenciadas de sua plataforma e condições especiais oferecidas a quem adere ao Plano Integrado de Marketing. A companhia prometeu manter as taxas competitivas quando se esgotarem os prazos, uma vez que a concorrência nesse mercado se acirrará ainda mais no futuro.

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