Fonte: Valor Online
A indefinição do quadro político na Bolívia, depois da renúncia do presidente Evo Morales, cria incertezas em relação ao ritmo do processo de abertura do mercado de gás natural no Brasil. As tratativas entre a Petrobras e a estatal boliviana YPFB para renegociar o contrato de importação de gás natural que vence em 31 de dezembro foram paralisadas antes das eleições de outubro no país vizinho, mas a crise institucional que levou à renúncia de Morales tornou o cenário da renegociação ainda mais difícil.
Ao mesmo tempo, a crise institucional boliviana prejudica as negociações de empresas brasileiras para importar gás via Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol) a partir de 2020, depois do vencimento do atual contrato com a Petrobras. A estatal brasileira sinalizou à YPFB que vai diminuir o volume contratado a partir do próximo ano, abrindo espaço para outras companhias também importarem.
O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, afirmou ontem que, enquanto não houver uma definição sobre o novo governo na Bolívia, não será possível retomar as negociações para a recontratação da importação do gás natural do país vizinho.
O que estava sendo renegociado primeiro era o contrato de compra de gás da Bolívia, de 30 milhões de m3 /dia de gás, que tinha que ser negociado pelas empresas brasileiras com a YPFB, que, no caso boliviano, tem o monopólio da negociação e é controlada pelo governo. Uma vez que soubessem o volume de moléculas a que teriam direito, elas [empresas brasileiras] poderiam então participar de licitação pública pelo volume de transporte no gasoduto [Gasbol]. A ANP fazia isso [a licitação pública], disse Oddone no seminário E agora, Brasil?, promovido pelos jornais Valor e O Globo, com apoio da Confederação Nacional do Comércio (CNC), no Rio.
Para Oddone, a indefinição do novo governo boliviano paralisa o processo de negociação. Tem que haver um governo legítimo do outro lado, com condições de assinar esse contrato, com novos volumes e novo preço. Enquanto isso não se resolver, é difícil de acreditar que essa história terá um fim, afirmou. Vamos ter que esperar uma eleição, um novo governo se estabelecer, para retomar a negociação.
O contrato atual de fornecimento de gás, que vencerá no fim deste ano, permite à Petrobras importar até 30 milhões de m3 /dia da Bolívia. Como o contrato é do tipo take or pay e a Petrobras tem consumido menos que os 30 milhões de m3 /dia, a estatal brasileira tem um crédito de consumo de gás boliviano que pode durar até cerca de um ano, segundo fontes. Além de negociar a compra do gás boliviano, as empresas precisam contratar espaço no gasoduto para transportar o insumo. A Transportadora Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) abriu neste ano uma chamada pública para a contratação da capacidade do duto, sob coordenação da ANP. O processo está suspenso.
Oddone disse que na última semana a ANP estabeleceu um mecanismo regulatório que exige a transparência nos preços praticados pela Petrobras em seus contratos no mercado de gás. A mudança [queda de preços do gás] virá. Mas quanto vai cair e quando vai ser é difícil estabelecer, afirmou.
Se por um lado, a crise institucional na Bolívia afeta o andamento do processo de abertura do mercado de gás natural brasileiro, por outro, há pouco risco de desabastecimento para o país. Segundo o Ministério de Minas e Energia no acumulado do ano até agosto, o volume médio de importação do gás boliviano foi de 15,33 milhões de metros cúbicos/dia. O volume é equivalente a cerca de 20% do consumo médio total do produto no Brasil, de 72,95 milhões de metros cúbicos/dia. O restante da demanda é preenchido pela oferta nacional de 54,16 milhões de metros cúbicos/dia e pela importação de gás natural liquefeito (GNL) de 24,52 milhões de metros cúbicos/dia.
Ontem o embaixador da Bolívia no Brasil, José Kinn Franco, disse que a crise política não afetará no longo prazo o comércio de gás entre os dois países. Ele acredita que as empresas brasileiras podem se beneficiar com preços mais baixos do gás boliviano. Franco reconheceu que todas as gestões entre a YPFB e o lado brasileiro estão paralisadas. Enquanto não se estabelece um governo provisório, está tudo paralisado. Não estão deixando produzir, trabalhar… A YPFB também não está fazendo nenhuma gestão, disse o embaixador. Uma vez normalizada a situação, a YPFB continuará seu trabalho de buscar acordos e contratos adicionais.