Novo mercado de gás: A regulação dos estados e o abuso de poder regulatório

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O Novo Mercado de Gás (NMG), lançado em 2019 pelo Governo Federal1, marca uma nova fase na regulação do setor de gás natural no Brasil, com a transição de uma estrutura concentrada na Petrobras, como agente verticalizado, com elevada participação de mercado nas diversas cadeias produtivas, para um ambiente com incentivos pró-competitivos. Essa transição foi iniciada pela criação do Comitê de Promoção da Concorrência do Mercado de Gás Natural, instituído pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o qual editou a resolução 16/19 do CNPE, definindo as diretrizes, balizas, objetivos e medidas para implementar um ambiente concorrencial no setor de gás natural no âmbito nacional.

Já sob essa nova perspectiva, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) celebrou Termo de Compromisso de Cessação de Conduta (TCC) com a Petrobrás, que se comprometeu a alienar seus ativos no segmento de transporte e distribuição do gás natural, desverticalizando-o, e arrendar o Terminal de Regaseificação de GNL da Bahia (TR-BA). A empresa também se comprometeu a atuar com transparência e conferir tratamento isonômico aos demais agentes do setor, ainda que sejam seus concorrentes, em especial no acesso às essential facilities, vale dizer: redes de transporte e distribuição, terminais de tratamento e processamento, renunciando, aliás, a eventuais contratos de exclusividade e quantidades contratadas, além daquelas efetivamente necessárias, compromissos que vêm sendo analisados pelo CADE e pela ANP. Algumas dessas medidas já foram efetivamente adotadas pela Petrobras, impactando diretamente a dinâmica, expectativas e investimentos no setor.

Contudo, algumas mudanças passam, necessariamente, por reformas do marco normativo/regulatório, não só no âmbito de competência do Governo Federal, como também na esfera de competência estadual. Na seara federal, as expectativas se concentram na aprovação do PL 6.407/13, em trâmite na Câmara dos Deputados, cujo texto já aprovado na Comissão de Minas e Energia altera substancialmente a Lei do Gás (lei 11.909/09), em especial no que diz respeito: à outorga do serviço de transporte, de concessão para autorização, criando um modelo de concorrência pelo mercado; à necessidade de independência do transportador em relação aos demais segmentos do setor; incentivos para integração e ampliação da malha de transporte; às regras gerais para as atividades de comercialização e do mercado livre; e ao direito dos agentes ao acesso indiscriminado às essential facilities. A nova lei prevê, ainda, novas atribuições para a ANP, quanto à regulação e fiscalização do setor, com ênfase na preservação de um ambiente concorrencial.

No âmbito dos estados, responsáveis pela exploração do serviço local de gás canalizado2, o que se espera é que promovam a reforma de seus marcos regulatórios, de forma a adaptá-los às diretrizes do NMG, instituindo regras sobre: consumidor livre e cativo, autoprodutor e auto importador; tributação estadual; serviços, remuneração e atribuições das distribuidoras; chamadas públicas de fornecimento, independentemente de se tratar de empresa privada ou pública. Para tanto, conforme determinado na resolução 16/2019/CNPE, o Ministério de Minas e Energia e o Ministério da Economia, sob a orientação da ANP, deverão criar incentivos e auxiliar os estados na reforma de seus marcos regulatórios3.

A expectativa é de que esses incentivos aos estados ocorram, principalmente, por via da política fiscal, como o Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF ou “Plano Mansueto”) e Programa de Fortalecimento das Finanças Estaduais (PFE)4, bem como pela elaboração de normas gerais para balizar a regulação estadual, o que ainda não foi encaminhado.

Contudo, alguns estados já se anteciparam e reformaram sua regulação da distribuição de gás natural canalizado, contemplando as diretrizes do NMG5, enquanto outros ainda estão estudando e debatendo essa regulação.

Independentemente das iniciativas do Governo Federal e da aprovação do PL 6.407/13, os estados detêm incentivos econômicos e sociais para promover uma boa regulação do setor, de forma a atrair investimentos e competição. Além disso, há a obrigação constitucional e legal de se privilegiar a livre concorrência, a defesa dos consumidores/usuários, a redução das desigualdades regionais e sociais e o desenvolvimento da economia nacional, conforme consignado no artigo 170. da Constituição Federal, que dispõe sobre os princípios da atividade econômica.

Uma questão de grande relevância na regulação estadual é o que dispõe a Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/19), em seu art. 4º, ao determinar que o ente regulador não restrinja, indevidamente, a livre iniciativa e a livre concorrência, sob pena de configurar “abuso do poder regulatório”, na hipótese de:

I – Criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;

II – Redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;

III – exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;

IV – Redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;

V – Aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios;

VI – Criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros;

VII – Introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas;

VIII – Restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal; e

IX – Exigir, sob o pretexto de inscrição tributária, requerimentos de outra natureza de maneira a mitigar os efeitos do inciso I do caput do art. 3º desta Lei.

Ainda que pese algumas controvérsias sobre a natureza, definição, extensão e configuração do “abuso do poder regulatório”, é sabido que os estados, na esfera de sua competência de regular os serviços de gás canalizado, devem observar o quanto exposto nesse dispositivo, pois se trata de norma geral de direito econômico, sendo da União a competência de estabelecer normas gerais, cabendo aos estados a competência suplementar, ou seja, dispor sobre as questões que atendam às suas peculiaridades6, nos termos do artigo 24, inciso I e seus parágrafos, da Constituição Federal; e consignado no parágrafo 4º do artigo 1º da lei 13.874/19.

Como se trata de um instituto relativamente novo, a eficácia do controle e repressão do “abuso do poder regulatório” dependerão do ativismo dos agentes de mercado e do comprometimento dos órgãos de controle diante dos atos do regulador. Nesse sentido, pode-se citar a iniciativa da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia (SEAE/ME)7, que lançou consulta pública acerca da Instrução Normativa que disciplina a Frente Intensiva de Análise Regulatória e Concorrencial (FIARC)8, cujo escopo é “aprimorar o conjunto de normas infralegais que disciplinam questões de natureza regulatória e concorrencial no Brasil”. A Secretaria, identificaria, assim, os atos normativos que apresentam indícios de “abuso do poder regulatório”, nos termos da Lei de Liberdade Econômica, no sentido de esclarecer aos órgãos competentes e ao público em geral, os prováveis efeitos danosos à livre iniciativa e livre concorrência a serem causados por determinada regulação.

De todo modo, a Lei de Liberdade Econômica, ao impor ao regulador restrições, sob pena de incorrer em abuso de poder regulatório, criou um importante mecanismo de defesa em prol das boas práticas regulatórias, reforçando, consequentemente, a proteção à livre concorrência e à livre iniciativa. Tal mecanismo será de grande utilidade na promoção de um ambiente eficiente e competitivo no setor de gás natural, em linha com as determinações do Conselho Nacional de Política Energética, as orientações da ANP, e a posição do CADE, todas em plena sintonia com os princípios constitucionais da ordem econômica.

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1 nesse sentido, ver: clique aqui

2 Artigo 25, parágrafo 2º da Constituição Federal de 1988.

3 Artigo 5º e 6º, Resolução 16/2019/CNPE

4 Mais informações: clique aqui

5 Nesse sentido pode-se citar: Sergipe, Rio de Janeiro, Bahia e Espírito Santo.

6 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Comentários ao artigo 24 parágrafo 1º e 2º. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo W; STRECK, Lenio L. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo; Saraiva/Almedina, 2013;p. 756-757.

7 instituída no Art. 3º da lei 12.529/11; e regulamentada no artigo 119 do decreto lei 9.745/19

8 Acessível em: clique aqui

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*Felipe Fernandes Reis é sócio advogado coordenador da equipe de Direito Econômico e Concorrencial do Malard Advogados e Marcelo Tostes Advogados. Graduado em Direito pelo IDP/Brasília e cursando Master of Laws (LLM) – Direito dos Negócios e Governança Corporativa.

Embaixador dos EUA nega barganha entre etanol e reeleição de Trump
Fonte: O Estado de S. Paulo

O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, negou nesta segunda-feira, 3, que tenha pedido ao governo brasileiro para derrubar tarifas de importação do etanol americano para ajudar a reeleição de Donald Trump. A Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, controlada pelos democratas, pediu explicações ao diplomata sobre medidas comerciais adotadas pelo Brasil que poderiam ajudar a campanha do presidente.

“Qualquer interpretação de que minha defesa de longa data dos interesses comerciais, durante um ano eleitoral, foi uma tentativa para beneficiar um candidato presidencial específico é simplesmente incorreta”, afirmou Chapman, em nota publicada hoje pela embaixada americana.

Hoje, o Brasil dá isenção na importação de até 750 milhões de litros de etanol por ano — a partir daí a tarifa é de 20%. Segundo a coluna do jornalista Lauro Jardim, no O Globo, e reportagem do Estadão/Broadcast, o diplomata teria pedido, em encontro com membros do governo, que as tarifas fossem reduzidas a zero e indicado a importância para Jair Bolsonaro de manter Trump na presidência. O embaixador nega ter pedido ajuda.

“Em nenhum momento solicitei aos brasileiros que tomassem quaisquer medidas em apoio a qualquer candidato presidencial. Como diplomata de carreira, com quase 30 anos de serviço público, tive o prazer de servir ao governo dos EUA sob ambos os partidos”, afirmou Chapman.

Em carta à Embaixada dos EUA em Brasília, enviada no fim de semana, o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o democrata Eliot Engel, disse que um eventual pedido de Chapman de apoio a Trump seria “completamente inapropriado” para um embaixador e contra a lei.

O Estadão reitera a apuração sobre as conversas entre Chapman e representantes do governo brasileiro. No caso do etanol, uma mudança na cota poderia ser explorada politicamente por Trump junto aos agricultores do Meio-Oeste, base do eleitorado republicano. O etanol americano é produzido do milho, com subsídios. A pandemia reduziu a demanda, derrubando os preços dos combustíveis e agravando a situação dos produtores.

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