O Globo
A pandemia do novo coronavírus deve gerar uma perda de R$ 47,2 bilhões para os cofres estaduais neste ano. O rombo reflete uma queda estimada de 9,1% na arrecadação do ICMS, um dos principais termômetros de consumo no país e maior fonte de recursos para os estados, de acordo com cálculos do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
O peso do ICMS, que garantiu aos estados no ano passado um volume de quase R$ 519 bilhões, deve fazer com que o imposto seja incluído na reforma tributária em discussão no Congresso. Na proposta encaminhada no final do mês passado, a equipe econômica do governo Jair Bolsonaro optou por não tratar de tributos estaduais e municipais, mas todos são favoráveis à inclusão do ICMS na discussão.
O plano do ministro da Economia, Paulo Guedes, é deixar que esse movimento parta de deputados e senadores, com apoio dos governadores.
A evolução da arrecadação do ICMS ao longo dos últimos meses revela o efeito perverso da pandemia na economia brasileira e nas contas públicas. Os meses abril, maio e junho foram de quedas consecutivas na arrecadação do imposto — foram tombos de 14,9%, 24,2% e 11,7%, respectivamente.
No primeiro trimestre, os estados ainda conseguiram registrar um aumento real de R$ 4,4 bilhões na arrecadação do tributo, embora o desempenho de março já revele os primeiros efeitos da chegada do vírus no país.
Velloso explica que a queda de receita com o ICMS tem acompanhado à distância as taxas do IBC-BR, índice usado pelo Banco Central para medir a atividade econômica e que serve como uma espécie de termômetro do que poderá acontecer com o PIB (Produto Interno Bruto). O índice apresenta quedas sucessivas de março a maio, último mês disponível.
Quando se encerrar o ano, a arrecadação de tributos como o ICMS deverá acompanhar o desempenho do PIB. A projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia brasileira, em seu relatório de junho, é de uma queda de 9,1% em 2020.
Frustração de expectativas
Se a situação é ruim para os estados, o quadro não é muito diferente no plano federal. Cálculos da própria equipe econômica apontam para um déficit de quase R$ 800 bilhões neste ano.
— É uma situação dramática. Vamos fazer em um ano mais que o déficit acumulado em sete anos — observa Velloso, lembrando que a diferença entre receitas e despesas de 2012 a 2019, somou R$ 620 bilhões.
Rafael Tajra Fonteles, presidente do Comitê Nacional de secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), afirma que, para a maioria dos estados, a ajuda liberada pelo governo federal será insuficiente para fechar o caixa. Foi despachado um total R$ 60 bilhões, sendo R$ 37 bilhões para estados e R$ 23 bilhões para municípios.
Mas, desse volume, 10 bilhões estão carimbados para gastos exclusivos em saúde diante da pandemia.
— A queda de arrecadação não deve continuar tão grande, mas não vai ficar igual ou melhor do que em 2019. A crise econômica não deriva do período de isolamento, mas da crise sanitária. As pessoas ficam com medo, compram menos e investem menos. É pela própria existência da doença — diz Fonteles.
Na avaliação dele, o Brasil estará entre os países que mais sofreram perdas com a Covid-19. A única saída, afirma, é a ampliação das medidas já adotadas pelo governo, como ocorreu com o auxílio emergencial.
A reforma tributária, com uma simplificação do sistema sem elevação da carga total de impostos, também é apontada por ele como um caminho para o processo de recuperação da atividade econômica no país.
Fonteles afirma que, apesar do perfil liberal do ministro Paulo Guedes, o governo terá de agir como indutor de investimentos para estimular o crescimento e atrair a iniciativa privada.
— O cenário mudou, as medidas têm de mudar também — argumenta.
Debate tributário
A equipe econômica acredita que a unificação do PIS e da Cofins sob um novo tributo — a Contribuição Social sobre Movimentação de Bens e Serviços (CBS) — pode ser combinada com propostas que tratam dos impostos regionais. Guedes costuma chamar o modelo já desenhado por sua equipe de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual — ou seja, composto por duas partes, uma federal e outra estadual.
Ainda não há clareza sobre como o ISS, administrado pelos municípios, seria encaixado.
Na semana passada, Guedes sinalizou a prefeitos que o tributo poderia ficar fora de uma proposta mais ampla de unificação, segundo o vice-presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), Firmino Filho, prefeito de Teresina (PI). Hoje, as duas propostas que tramitam no Congresso tratam de impostos estaduais e municipais.
A versão elaborada pelo Senado é a mais ampla, que inclui nove impostos, inclusive o IPVA (sobre veículos) e o ITCMD (sobre bens transmitidos por herança).
Secretários estaduais de Fazenda representados pelo Comsefaz apoiam a proposta da Câmara, que combina PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS em um único tributo, batizado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
O grupo defende, no entanto, que a União não participe da administração do novo imposto. Assim, o governo federal não poderá decidir, por exemplo, se eleva ou reduz a alíquota. Outra demanda dos estados para agregar o ICMS ä discussão é a definição de um sistema para compensar o fim de incentivos fiscais.
A proposta é criar um fundo de desenvolvimento regional, que seria responsável por repassar recursos a estados com economias menos atraentes, que recorrem aos benefícios tributários para atrair empresas.
Os estados também defendem a criação de um fundo de equalização de perdas. O mecanismo seria voltado para compensar entes que devem perder arrecadação ao longo do período de transição. Isso ocorreria porque, no novo modelo, o tributo seria recolhido no destino, onde o produto é consumido, e não na origem, o que penalizaria estados produtores e com mercado consumidor menor.