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Cerco a veículos a gasolina em vários países que já decretaram seu fim força inovações na indústria automotiva. Na contramão, Brasil ainda dá subsídios a combustíveis fósseis

A nova cara da Ford no Brasil será a de uma empresa que deixa de fabricar carros de R$ 50 mil, considerados de entrada, como Ka ou Fiesta, para se tornar uma importadora de veículos premium, de R$ 200 mil.

Globalmente, a montadora, que segunda-feira anunciou sua saída do Brasil, deve concentrar boa parte de seus investimentos no desenvolvimento de carros elétricos e autônomos, tendência já adotada por outras companhias.

Para especialistas, essa será a grande mudança não apenas da Ford, mas de toda a indústria automobilística nesta década. E o Brasil não está preparado para ela.

Seja por pressão da sociedade ou busca pela liderança na transição para os veículos elétricos, vários países vêm anunciando metas para proibir a venda de automóveis a gasolina e diesel.

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Para se adaptar ao novo cenário global, montadoras buscam estratégias como fusões bilionárias, a exemplo da recém-anunciada Fiat-Peugeot, ou o encolhimento em mercados menos rentáveis, como fez a Ford ao decidir deixar o Brasil.

Elon Musk, dono da Tesla, fabricante de carros elétricos dos EUA, já é considerado o homem mais rico do mundo. Sua montadora entregou meio milhão de unidades em 2020 e tem valor de marcado superior ao das companhias tradicionais do setor automotivo.

Na contramão, o Brasil ainda subsidia fontes de energia fósseis e tem um mercado muito pequeno de veículos elétricos, o que, na avaliação de especialistas, torna o país menos atraente na disputa por investimentos globais nessa nova tecnologia.

Além da americana Ford, a alemã Mercedes-Benz também decidiu encerrar a produção de carros por aqui.

– Países como a Noruega já querem proibir a venda de motores a combustão a partir de 2025. A indústria automobilística toda está em processo de mudança, em busca de sustentabilidade – diz Paulo Vicente, professor da área de Estratégia e Gestão Pública da Fundação Dom Cabral.

A ofensiva mais recente contra os carros a gasolina, diesel ou gás veio do governo britânico. Em dezembro, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, anunciou que a proibição desses veículos será antecipada para 2030. A ideia inicial era que as restrições tivessem início entre 2035 e 2040.

Cronologia: os mais de cem anos da Ford no Brasil

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1919

A fundação da filial brasileira da Ford foi no dia 24 de abril, com capital inicial de US$ 25 mil.. Em 1º de maio, a empresa iniciou a montagem do Modelo T em um galpão na Rua Florêncio de Abreu, em São Paulo, com peças importadas. Em 1921, mudou-se para um edifício próprio, na Rua Solon, 809.

1925

Ford faz exposição no Rio de Janeiro, com Uma linha de montagem trazida de São Paulo com operários e técnicos para demonstrar o seu funcionamento. Sgundo a empresa, a marca registrou recorde de vendas no Brasilentão, de 24.250 veículos.

1938

Os modelos Mercury do final da década de 30, com design mais arrredondado. Ele começou a ser montado no Brasil pouco depois de ser lançado pela Ford na matriz. Porém, segundo a companhia , o modelo de luxo era produzido apenas mediante encomenda especial. Na foto, um bem conservado, fotografado na década passada.

1943

Com a escassez de combustível durante a Segunda Guerra Mundial, os carros da Ford foram adaptados com caldeiras de gasogênio, allimentadas por carvão vegetal. Na foto, o primeiro carro do tipo a chegar ao Corcovado.

1949

Depois do fim da guerra, veio o Ford 1949, com novas linhas que tiveram influência na a indústria automotiva. Foram incrmentados o chassi e a suspensão, entre outros elementos.

1953

Setor de peças da fábrica da Ford no Ipiranga, inaugurada em 1953, com mais de 200 mil metros quadrados. Mais de 2.500 empregados foram contratados, e a produção diária era de 125 veículos.

1956

A fábrica da Willys em São Bernardo do Campo, SP, começou como uma linha de montagem dos Jeep CJ-3B, com motor importado.

1957

Este ano viu nascer o porimeiro veículo Ford totalmente fabricado no Brasil, o caminhão F-600, saído da fábrica do Ipiranga. Também de lá vieram as picapes F-100.

1959

Em visita à fábrica da Willys-Overland do Brasil, o presidente Juscelino Kubitschek em um Jeep CJ-5 nacional. A produção era feita em parceria com a Ford

1968

A Ford comprou a Willys e levou junto o projeto do Corcel, que começou a ser fabricado no fim daquele ano. Nascia um sucesso brasileiro, que foi eleito carro do ano em 1969.

1974

A Ford inagura a Fábrica de Motores e Fundição de Taubaté, que em 2021 encerra suas operações.. Na éoca a empredsa anunciou novos investimentos de mais de US$ 400 milhões na expansão das atividades no BrasiI.

1977

Depois de o Corcel chegar a meio milhão de unidades, veio seu sucessor, o Corcel II, que bateu recorde de 100 mil unidades nos dez primeiros meses de lançamento.

1983

Chega o primeiro Escort. Sua versão esportiva, Escort XR-3, chegou pouco depois e teve a campanha estrelada por Ayrton Senna.

1984

Na fábrica de São Bernardo do Campo, então sua principal unidade no Brasil, a Ford usa um Del Rey para comemorar 2 milhões de unidades produzidas pela marca desde 1957

1998

Visão geral de milhares de carros Ford em um estacionamento no parque industrial de São Bernardo do Campo. Na década, a Ford começou a produzir primeira geração do Ford Ka e a picape F-250, que substituiu a F-1000

2006

Operários de empresas parceiras tranalham na montagem de portas de carros, dentro da linha de montagem da Ford, na fábrica de Camaçari, Bahia. O complexo foi inaugurado em 2001, introduzindo novos conceitos de arquitetura e produção.

2015

O Ford EcoSport alcançou produção de 1 milhão de unidades na Fábrica de Camaçari, na Bahia, e ampliou a linha com a versão 1.6 automática. O modelo passou por várias atualizações nos anos seguintes, como uma tela multimídia e transmissão automática.

2021

A Ford anuncia que vai encerrar a fabricação de automóveis no Brasil e iniciar uma reestruturação de sua operação na América do Sul, o que deve resultar na demissão de 5 mil empregados no Brasil e na Argentina. Na foto, trabalhadores parados na fábrica de Taubaté, SP, cujas operações pararam.

No ano passado, o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, também anunciou planos de suspender a venda de veículos a gasolina em 2035 para cumprir a meta de reduzir a zero as emissões de CO2 até 2050 no país. Holanda, Suécia, França e outros países da União Europeia estão no mesmo caminho.

– Há um movimento amplo e difundido em diversos países para diminuir o impacto ambiental. Vários políticos foram eleitos com essa promessa, e agora eles estão agindo nessa direção – diz Regis Nieto, diretor executivo e sócio do Boston Consulting Group (BCG) Brasil.

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Restrições como essas pavimentam o caminho para a indústria de carros elétricos. Segundo recente estudo da consultoria e auditoria PwC, China e União Europeia devem liderar a transição para essa tecnologia.

Entre 2020 e 2035, a parcela dos carros movidos a motor de combustão na UE deve cair de 93% para 17%, considerando a venda de automóveis novos.

Estão nesse grupo os carros híbridos cuja bateria é abastecida por combustíveis tradicionais, como gasolina, diesel e etanol. Já a fatia de veículos elétricos deve saltar de 4% para 67%.

Na China, a participação dos carros movidos a combustíveis fósseis deve cair de 95% para 32% até 2035. Já a de veículos elétricos, que são subsidiados no país, terão sua fatia ampliada de 4% para 55% das vendas de novas unidades, nas projeções da consultoria.

O estudo não tem estimativas para o Brasil.

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Nesse cenário, todas as montadoras estão recompondo seus portfólios, e a Ford vai nessa direção, diz Marcus Ayres, sócio-diretor da consultoria Roland Berger, onde é responsável pelo setor automotivo.

A estratégia é deixar de fabricar veículos pequenos para produzir SUVs, inclusive elétricos, um segmento que dá boa margem de lucro, diz o especialista:

– Um consumidor que compra um carro de entrada no mercado não quer gastar mais de R$ 50 mil. Mas um consumidor que pode pagar R$ 200 mil por um SUV não se importa de gastar R$ 20 mil a mais para ter um carro mais tecnológico. A Ford está focando em segmentos mais rentáveis e terá de investir em plataformas para produzir carros elétricos.

Carros elétricos são 1% das vendas no Brasil

Hoje, o único representante da família de carros elétricos produzido aqui no Brasil é o Toyota Corolla, que é híbrido e foi lançado em setembro de 2019. Com ele, a categoria de carros elétricos e híbridos alcançou apenas 1% das vendas de veículos leves no país no ano passado, segundo a Anfavea, que reúne as montadoras no Brasil.

Para Ricardo Pierozzi, sócio da PwC, o fim dos carros a gasolina e diesel e sua substituição pelo elétrico é uma questão de tempo. Ele ressalta, porém que, no Brasil, há limitações para essa migração, o que torna o país menos atraente na disputa por investimentos da indústria:

– A renda do brasileiro é baixa, somos um país continental e, por isso, há mais dificuldade de adaptar a infraestrutura para os veículos elétricos. Há ainda gargalos na distribuição de energia e já temos o etanol, que é uma fonte renovável. Com um mercado menos desenvolvido, o Brasil não tem conseguido capturar esses investimentos.

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O país tem incentivos tributários para a comercialização de carros elétricos e híbridos. Aprovado pelo Congresso em 2018, o Rota 2030, reduziu o IPI sobre esses modelos para uma banda de 7% a 20%, variando de acordo com o nível de eficiência energética e com o peso do veículo. Até então, a alíquota era de 25%.

Projeto de lei não avançou

Mas não há uma política de Estado que fixe metas para o fim dos carros com motor a combustão. A iniciativa mais próxima nesse sentido foi um projeto de lei do senador Ciro Nogueira (PP-PI). O PL 304/2017 prevê a proibição de veículos novos movidos a gasolina, diesel e gás a partir de 1º de janeiro de 2030.

A partir de 2040, seria proibida também a circulação desses veículos. As exceções seriam automóveis de coleção, veículos oficiais e diplomáticos, além de carros de visitantes estrangeiros. O projeto chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado em fevereiro de 2020, mas não avançou.

Enquanto isso, o Brasil continua subsidiando combustíveis fósseis. Segundo estudo da ONG Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o país elevou os subsídios a essa categoria de combustíves para R$ 99 bilhões em 2019.

O estudo considera redução da Cide e Pis/Cofins para diesel e gasolina, bem como a Conta de Consumo Combustível (CCC), que subsidia as térmicas a diesel no Nordeste que não são integradas ao sistema interligado. Entram no cálculo ainda subsídios à produção, como o sistema tributário diferenciado para importação e exportação de bens para produção de petróleo e gás, o Repetro.

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Para Cleo Manhas, assessora política do Inesc, mais do que contribuir para a poluição com o subsídio às fontes de energia fósseis, políticas como essa agravam o problema da mobilidade urbana:

– O modelo de mobilidade está errado, porque incentiva o transporte individual em vez do público. Se o carro é elétrico, por exemplo, a questão do meio ambiente está resolvida, mas não a da mobilidade

MME: sem estudo para cortar subsídios

O Ministério de Minas e Energia diz que ‘não há estudos em curso para aumentar ou reduzir impostos e subsídios da gasolina e diesel’ nem política para banir os carros que usam combustíveis fósseis.

A pasta cita a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que possui metas para reduzir a intensidade média de carbono da matriz de transporte por meio do maior uso dos biocombustíveis sustentáveis.

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No primeiro ano de operacionalização do programa, diz o MME, foram retirados aproximadamente 14 milhões e 609 mil toneladas de CO2 equivalentes da atmosfera.’Dessa forma, é possível atingir os compromissos assumidos pelo país em acordo internacionais e reduzir o aquecimento global’, afirma o ministério.

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