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Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram tecnologia inédita no mundo para usar etanol para mover carros elétricos. Os cientistas do Laboratório de Otimização, Projeto e Controle Avançado (Lopca) da Faculdade de Engenharia Química criaram um microrreator que utiliza o combustível para a produção de hidrogênio, que gera a energia elétrica para movimentar os veículos.
Três montadoras já manifestaram interesse e iniciaram contatos com a Agência de Inovação da Unicamp (Inova), que obteve patente internacional da tecnologia, para avaliar a produção comercial. O escritório da universidade também avalia disponibilizar a tecnologia para uma fábrica nacional, que forneceria os equipamentos para a indústria automobilística.
Para o coordenador do Lopca, Rubens Maciel Filho, as principais vantagens são o uso de uma tecnologia nacional para a implantação de uma política de eletrificação veicular adequada à realidade brasileira e com baixo custo para implementação em relação ao que está disponível no mercado internacional, pois usará toda uma infraestrutura de produção e distribuição de etanol já existente.
‘Cada país tem que ter uma tecnologia adequada para ele, além do que vamos desenvolver empresas que vão gerar empregos e renda aqui’, afirma o pesquisador.
A pesquisa de microrreator da Unicamp foi realizada entre 2009 e 2013, com a equipe sendo formada por Rubens Maciel Filho e os pesquisadores André Jardini e Aulus Bineli, na época aluno de doutorado da Unicamp e hoje professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. A patente foi obtida em 2017, mas somente divulgada agora diante da expansão do mercado de carros elétricos e dos desafios que o país enfrentará para torná-lo viável para o grande público.
O reator químico compacto desenvolvido é mais avançado por permitir a produção embarcada de hidrogênio. O veículo é abastecido normalmente com etanol, mas em vez de ser queimado direto no motor, passa pelo microrreator, onde ocorre a reação química para produção do gás. A partir daí, ele passa por uma célula de combustível onde são separados os prótons e elétrons (partículas fundamentais dos átomos, que compõem todas as matérias). Os elétrons, então, geram a corrente elétrica que alimentará o motor do veículo.
O princípio dessa tecnologia começou a ser estudado na década de 1990 pelo professor da Unicamp Ennio Peres da Silva, que foi coordenador do Laboratório de Hidrogênio (LH2).
O protótipo do microrreator desenvolvido pela Unicamp é do tamanho de um telefone celular, com a versão final a ser instalada no carro tendo 25 centímetros de comprimento, equivalente a uma caixa de sapato. A potência do carro será definida pelo número de módulos internos do reator. O resultado final será energia e água, que volta para o meio ambiente na forma de vapor, ou seja, é um método limpo.
Tecnologias e limitações
Os carros elétricos hoje disponíveis no mercado internacional usam basicamente duas tecnologias. Uma é o abastecimento na rede elétrica, com a energia sendo armazenada em baterias de íons de lítio, que alimentam o motor. A outra utiliza hidrogênio comprimido produzido a partir de gás natural. As duas esbarram em limitações por serem baseadas em fontes esgotáveis, exigirem altos investimentos para a instalação de uma rede de postos para uso em larga escala no Brasil e usarem tecnologia desenvolvida em outros países.
A produção mundial de lítio está hoje concentrada na Austrália e Chile, o que cria a dependência de fornecimento. Além disso, é um metal raro, cuja exploração libera toxinas altamente prejudiciais ao meio ambiente e à saúde, além das baterias terem uma vida útil em torno de oito anos e serem caras. Outro fator é que na Europa e na China, onde os carros elétricos estão mais difundidos, a eletricidade é gerada principalmente pela queima de carvão, que é poluente.
Já o hidrogênio gerado a partir do gás natural, que é um combustível fóssil, tem de ser armazenado sob alta pressão em tanques, o que requer cuidados e a montagem de uma infraestrutura que pode ser proibitiva em países com as dimensões do Brasil.
O coordenador do Lopca lembra que a criação de uma rede de postos de abastecimento que seria destinada apenas para carros elétricos exigiria um grande investimento, mas o país tem outras prioridades sociais, como investir em saúde, infraestrutura e redes de água e esgoto.
Para a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), os carros elétricos terão um papel importante na transição energética para uma economia de baixo carbono e para ajudar a mitigar emissões de gases do efeito estufa.
Em todo o mundo, o setor de transporte é responsável por quase um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa relacionadas à energia. Os veículos também liberam substâncias tóxicas, sendo o monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2) e ozônio (O3) alguns dos gases nocivos mais conhecidos.
Importância
Maciel Filho defende que a geração do hidrogênio a partir do etanol será uma nova vertente para fomentar uma indústria importante para a economia nacional, que perderia espaço com a simples importação de tecnologia de eletrificação veicular.
A produção nacional da cana-de-açúcar 2022/23 é estimada em 596,1 milhões de toneladas, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), movimentando algo em torno de US$ 26,45 bilhões (R$ 138,57 bilhões), o que representa 2,35% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. É um setor que gera 3,6 milhões de empregos, envolve 72 mil agricultores e produz anualmente cerca de 37 milhões de toneladas de açúcar e 23,5 bilhões de litros de etanol.
Maciel Filho diz ainda que a tecnologia do microrreator quase dobraria a capacidade desse combustível como fonte de energia veicular sem a necessidade de aumentar a produção e com um custo menor. Isso porque o equipamento trabalha com um menor grau de pureza, sendo metade etanol e metade água. Os veículos com motor a combustão atualmente em circulação exigem etanol com 90% de pureza.
O protótipo do microrreator da Unicamp foi produzido com a utilização da tecnologia de impressão 3D, que permite rapidez e a criação de placas com uma malha de microcanais onde ocorre a reação química, que não seria viável com as técnicas tradicionais de usinagem e fundição de metais.
‘A impressão 3D tem-se destacado como tecnologia altamente aplicável em diferentes áreas do setor industrial’, explica André Jardini, que foi coorientador da pesquisa e é atual pesquisador sênior do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biofabricação (Biofabris).
‘Na produção de microssistemas, ela é essencial, pois o design das partes internas exige uma arquitetura diferenciada e que dificilmente os processos convencionais de fabricação, como usinagem, fundição, conformação, entre outros, podem reproduzir’, completa.
O coordenador do Lopca acrescenta que a tecnologia do microrreator poderia ser exportada e usada em outras partes do mundo com dimensões continentais, com a África e a Índia, que também produz etanol. Ela também poderá ter outras aplicações futuras, como em motores para indústrias. ‘O Brasil precisa ter sua própria tecnologia’, defende Maciel Filho.