Usinas esperam por justiça sobre danos causados ao setor sucroalcooleiro

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Correio Braziliense Online

Vital para a economia brasileira por gerar quase 2,5 milhões de empregos, o setor sucroalcooleiro está passando pela tempestade perfeita. Não bastassem a redução no consumo de etanol, por conta da pandemia do novo coronavírus, e a queda no preço da gasolina, que retira competitividade do combustível limpo e renovável, a cadeia sucroenergética corre o risco de perder uma jurisprudência que vigora há 15 anos e garantiu indenização a várias usinas. Para discutir o futuro do segmento diante de mais uma crise, foi realizado, ontem, o Correio Talks: Covid-19 e as questões econômicas e jurídicas do setor sucroalcooleiro.

Segundo os especialistas que participaram do debate, não resta dúvidas de que o governo errou ao intervir e tabelar os preços do açúcar e do álcool na década de 1980 e, por isso, tem de pagar a conta. No entanto, apesar de a Justiça, em todas as instâncias, ter definido que houve dano, obrigando a União a indenizar as empresas prejudicadas, em um dos julgamentos, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que era preciso mudar a fórmula de apurar tal prejuízo para calcular a indenização. A usina em questão, a Matary, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que iniciou o julgamento este ano.

No Supremo, a decisão está em 3 a 2 em favor da empresa. Porém, o ministro Alexandre de Morais pediu vista e o processo pode voltar à pauta na sexta-feira ou na próxima semana. O problema cria mais uma insegurança jurídica ao setor, que foi prejudicado por políticas intervencionistas do Estado em vários governos.

O ex-ministro da Fazenda (1988 a 1990) Maílson da Nóbrega explicou que, quando começaram a aparecer sinais de descontrole da inflação, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) — autarquia da administração federal extinta no governo Fernando Collor – passou a controlar os preços do setor. Para o tabelamento, a Fundação Getulio Vargas (FGV) foi contratada para apurar os valores.

O IAA, contudo, tabelou os preços, arbitrariamente, com valor 20% inferior ao apurado pela FGV. “Os valores foram fixados abaixo até mesmo do custo de produção. Em 1989, as refinarias começaram a ganhar ações. E a forma de indenizar as usinas levava em conta o conceito econômico, usado tanto pelo governo quanto pela FGV para calcular os preços. Quando ministro da Fazenda, fui aconselhado, pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, a fazer um acordo formal”, contou.

“Recentemente, surgiu outro problema: a forma de indenizar as usinas deveria levar em conta o prejuízo contábil de cada uma das empresas. Isso é um absurdo”, destacou. Ao mudar a fórmula, a União pagaria apenas as usinas que tiveram perdas, mesmo que todas tenham sofrido dano. “O absurdo dessa decisão vai mais longe. No fundo, vai premiar a empresa ineficiente. Ganharia a indenização aquela que dá prejuízo, que foi mal gerida”, assinalou.

O cálculo pelo custo econômico vem sendo feito há 15 anos, desde uma decisão do STF de 2005. Cerca de 60% das ações transitadas em julgado seguem o critério de indenização definido pelo Supremo e 138 precatórios foram expedidos levando em consideração as regras vigentes. “Do total das usinas prejudicadas, 72% foram beneficiadas pelas decisões, representando 88% do valor envolvido. A AGU tem argumentado que o custo é de R$ 70 bilhões, mas o que falta pagar são R$ 8 bilhões. O que está em discussão são 12% do total”, destacou Maílson da Nóbrega.

Segurança

Para Grace Mendonça, ex-ministra da AGU, a questão central é a segurança jurídica. “A nossa Suprema Corte tem procurado trazer a segurança jurídica como valor inserido nas nossas relações. O STF tem buscado entregar confiança”, afirmou. Segundo ela, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, reafirma os precedentes que são exarados pela Corte. “Ele é categórico ao afirmar que, quando se está à frente de precedentes, a mensagem clara é de previsibilidade, de que as decisões futuras vão no mesmo sentido daquela”, sustentou.

Mendonça afirmou que o ministro acata a importância do precedente “para preservação da confiança do cidadão”. “Quando se tem o respeito ao precedente, respeita-se a ética da prática do Direito. E, neste caso do setor sucroenergético, a jurisprudência está consolidada há 15 anos. O primeiro precedente foi em 2005”, reforçou.

Grace Mendonça defendeu outros mecanismos de acordo para evitar a demora do sistema Judiciário. “Houve uma percepção da sociedade de que tem acesso à Justiça, de ver o Judiciário como uma instituição que pode ajudar seu problema”, disse. Isso, entretanto, abarrotou o sistema e o tempo médio de um processo na União, segundo ela, é de nove anos. “É preciso apostar em outros instrumentos e ferramentas capazes de pacificação social, porque a engrenagem da Justiça é cara”, lembrou. O custo é de 1,3% do PIB (Produto Interno Bruto) e há mecanismos como a conciliação e a arbitragem. “Na AGU, tive oportunidade de viabilizar consenso em uma demanda de quase 30 anos”, assinalou, referindo-se aos processos sobre os planos econômicos.

O que eles disseram

“Do total das usinas prejudicadas, 72% foram beneficiadas pelas decisões, representando 88% do valor envolvido. A AGU tem argumentado que o custo é de R$ 70 bilhões, mas o que falta pagar são R$ 8 bilhões. O que está em discussão

são 12% do total”

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

“A jurisprudência reconhece o descompasso entre o preço tabelado e o estabelecido

pela FGV. Agora, há possibilidade de se ter indenização dos danos conforme o prejuízo contábil. A União corre o risco de indenizar valores muito além, mergulhando em território desconhecido”

Grace Mendonça, ex-ministra da AGU

“Se olharmos que cada processo vai implicar não sei quantos milhões aos cofres públicos, acaba o Direito. Isso é uma preocupação econômica, mas não pode ser jurídica. Se houve lesão, deve ser indenizada. Não se pode ‘financeirizar’ a análise jurídica para afastar o risco”

Fernando Skaff, professor de Direito Financeiro da USP

“A combinação de retração da demanda com preço em queda é muito ruim. Mas, como dizem os nordestinos, depois do tombo vem o coice. E, agora, o setor pode ser vítima de uma transformação de jurisprudência com terríveis efeitos para o mundo econômico e jurídico”

Evandro Gussi, presidente da Unica

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