Opinião: O que há por trás da venda das refinarias da Petrobras

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EPBR

Por Marcelo Gauto

E a “érrelam” teve o contrato de venda assinado. Parece ironia do destino, a baiana Refinaria Landulpho Alves Mataripe (), primeira refinaria estatal, construída antes mesmo da existência da  vir a ser a primeira privatizada, no rol de desinvestimentos da empresa.

A anunciada venda da unidade para o fundo árabe Mubadala, que ainda depende de aval do CADE e passa por análise do Tribunal de contas de União (TCU), é um passo importante, esperado pelo mercado, parte de um processo que está em curso no país desde o Governo de Michel Temer.

Os objetivos do processo em andamento não são bem entendidos por maior parte da população, de tal forma que merece alguns esclarecimentos.

A venda da refinaria em si, bem como das demais que estão a caminho, nada garante em relação a menores preços de combustíveis ou concorrência no setor, sendo este apenas um passo rumo a um mercado mais transparente, dinâmico e voltado aos investimentos privados. Existem riscos nesta caminhada, mas ninguém disse (ou deveria dizer) que seria diferente.

Um pouco da história da RLAM

A partir de 1945, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) passou a conceder licenças para construções de novas refinarias no país, quando teve também autorização do Governo Federal para a construção da primeira refinaria estatal.

No rastro das descobertas de petróleo que começavam a proliferar no Recôncavo Baiano desde o final da década de 1930, o CNP designou a região de Mataripe, próxima do campo petrolífero de Candeias, para construção da sua refinaria pioneira, inicialmente chamada de Refinaria Nacional de Petróleo – depois renomeada para Refinaria de Mataripe e, mais tarde, Refinaria Landulpho Alves Mataripe (RLAM).

Para sua construção foi selecionada a M. W. Kellog Co., empresa norte-americana que ficou incumbida não apenas do projeto básico e do detalhamento, mas também da compra, inspeção e expedição dos materiais e equipamentos, além dos serviços de construção e montagem que couberam à sua subsidiária Kellog Pan American Corporation. Até os parafusos utilizados na obra foram importados, conteúdo local zero.

Projetada com uma capacidade de processamento de 2.500 barris/dia de óleo, que era aproximadamente a produção de petróleo estimada para a região onde fora instalada, a Refinaria de Mataripe começou a operar oficialmente em 17 de setembro de 1950. Antes mesmo de ser concluída, já estava prevista sua duplicação de capacidade para 5.000 barris/dia, cujo contrato de ampliação fora assinado em dezembro daquele mesmo ano de sua inauguração.

A Refinaria de Mataripe foi a primeira unidade de refino com destilação e craqueamento térmico combinados. Fato curioso é que os técnicos dessa refinaria foram treinados na Refinaria Ipiranga (RS), única refinaria operacional no país até aquele momento e que na época já tinha 13 anos de operação.

O crescimento do parque de refino

Ao longo dos seus mais de 60 anos, a Petrobras construiu um parque de refino que é hoje o oitavo maior do mundo. Basicamente investimento público, erguido durante o monopólio legal exercido pela empresa. Há méritos incríveis da Petrobras nesta caminhada.

A estatal praticamente nasceu do refino na década de 1950, vindo a se destacar no offshore somente décadas mais tarde, quando já havia a base estrutural do parque de refino que hoje é conhecido.

À exceção da RNEST (PE), todas as demais 12 refinarias da empresa foram erguidas entre 1950 e 1980.

A falência fiscal enfrentada pelo Brasil ao final da década de 80 impôs à Petrobras um severo limite no orçamento, associado a débitos federais para com a empresa na chamada “conta petróleo”, que perdurou anos.

Neste contexto, foi preciso buscar recursos fora do caixa do Governo para bancar o desenvolvimento da Cia. Ao mesmo tempo, a União precisava mais do que nunca de novas receitas. Assim, as coisas caminharam, com o tradicional e forte embate político, até a quebra do monopólio e abertura do mercado estabelecida pela Lei 9.478/97, a “Lei do Petróleo” como ficou conhecida.

Este é um ponto de inflexão importante da história do O&G no país, tão marcante quanto a criação do monopólio foi a sua flexibilização.

A Lei 9.478/97 estabeleceu um período de transição de cinco anos para que o refino de petróleo e os preços dos derivados passassem a ser efetivamente livres.

Então, desde 2002 qualquer investidor pode, mediante solicitação à ANP e autorização da Agência reguladora, construir refinarias no país e praticar preços de mercado aos combustíveis.

As iniciativas eram promissoras no início dos anos 2000, mas as coisas não saíram como o almejado, conforme já detalhado nos artigos “Desafios do refino privado após o fim do monopólio estatal” e “Por que as gigantes do petróleo nunca investiram em refino no Brasil”.

Em resumo, a presença da Petrobras, agente dominante com 98% da capacidade de refino, sempre foi uma forte barreira de entrada ao segmento.

Investimento privado associado a exigência de altas cifras, margens apertadas e um mercado dominado por um monopolista só se desenvolve na existência de regras muito claras, cumpridas à risca, com ambiente político estável, direcionado para a livre iniciativa e com a devida segurança jurídica.

Não é difícil entender por que o refino privado não decolou no Brasil desde a quebra do monopólio.

A China conseguiu atrair investidores privados para ampliar seu parque de refino, constituindo um importante polo de refinadores independentes naquele país.

Em 2020, as dezenas de pequenas refinarias independentes ocupavam próximo de 25% da capacidade instalada em território chinês. Isso reforça a ideia de que com estratégia e condições favoráveis, os investimentos aparecem.

Por aqui, a opção dos sucessivos governos de 2003 a 2016 foi a de colocar novamente sobre os ombros da Petrobras a incumbência de ampliar o parque de refino, contrapondo-se ao arcabouço regulatório existente.

Essa não era mais uma obrigação legal da estatal, mas acabou por se tornar devido as seguidas interferências nos preços internos dos combustíveis, descolados por longos períodos da referência de mercado.

Com orientação política para tal, os principais projetos estruturantes idealizados para ampliar a oferta de derivados pela estatal foram a RNEST (PE), o Comperj (RJ) e as Premium I (MA) e Premium II (CE), investimentos bilionários, somados ao esforço gigantesco de desenvolver o pré-sal.

O resultado é bem conhecido, estampou os jornais por bastante tempo. No fim, apenas metade da RNEST é operacional e o demais projetos ficaram inacabados pelo caminho, apesar de terem consumidos dezenas de bilhões de reais. Assim, o consumo de derivados cresceu e ultrapassou a capacidade de refino existente no país.

O primeiro passo de outros necessários

 da Petrobras não vai garantir preços mais baixos para os derivados, nem mesmo concorrência de fato no refino, uma vez que as unidades foram planejadas para serem complementares umas às outras, construídas sob a ótica de um monopólio que precisava atender do Oiapoque ao Chuí.

Na melhor hipótese, num exercício de otimismo, o preço será o de paridade de exportação, livrando o consumidor de alguns centavos do frete e do custo de internação presentes na paridade de importação, bem como a concorrência se dará na logística e apenas nas “bordas ou franjas” das zonas de abrangência existentes entre as refinarias. É pouco para quem paga em impostos diretos mais do que o próprio valor do produto em si.

Por trás da venda das refinarias da Petrobras há dois interesses maiores: a busca pelo rateio dos investimentos e uma menor ingerência política no segmento. Estes são os verdadeiros norteadores da questão.

A Petrobras perderá parte da sua receita ao vender refinarias, é verdade, mas o ganho advindo da melhor alocação dos recursos pela alienação de metade do parque de refino deverá ser superior as perdas de receita. Mantida a lógica de mercado, os investimentos devem ocorrer em toda a cadeia de combustíveis, por múltiplos atores, com benefícios inclusive para o desenvolvimento da bioenergia e da transição energética.

Obviamente, há riscos associados ao movimento de saída da Petrobras de metade da capacidade de refino, as externalidades políticas e velhas interferências conhecidas podem minar os investimentos e deixar o país à mercê do sucateamento das refinarias e maior dependência dos derivados importados.

A vizinha Argentina nos serve de exemplo neste sentido. Há ainda a questão da formação de monopólios regionais, entre outras, que exigirá dos órgãos de controle um novo olhar e ajustes regulatórios, para evitar ou minimizar quaisquer ações que possam lesar o consumidor de forma direta ou indireta.

A venda da RLAM de forma isolada não garante um ambiente próspero, nem combustíveis mais baratos ou concorrência de fato. O somatório de passos na busca de um mercado mais dinâmico, com diversos players, orientado pela lógica econômica é que conduzirá o país a um patamar mais elevado no segmento de refino e oferta de combustíveis. O primeiro grande passo está sendo dado, mas muitos outros ainda são necessários.

A pequena refinaria baiana de 2.500 barris foi transformada numa gigante de 330.000 barris de capacidade na cidade de Mataripe. Deseja-se vida longa a esta setentona.

Que os próximos passos sejam trilhados, a luz da liberdade econômica, e que venham os novos investimentos tão aguardados neste novo mercado de refino que vem sendo construído. Avante!

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