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O Estado de S.Paulo

Agraciados pelo presidente Jair Bolsonaro com um pacote de bondades que inclui crédito barato e melhorias de infraestrutura, os caminhoneiros ainda estão longe de atingir seu principal objetivo: reduzir na marra no preço do diesel. Embora Bolsonaro faça seguidos acenos a um dos grupos de maior peso em sua base de apoiadores, o presidente não tem espaço no Orçamento para subsidiar a aquisição do combustível, e até mesmo o projeto que enviou para mexer na cobrança de ICMS sobre o diesel está parado na Câmara.
Bolsonaro já responsabilizou diversas vezes os governadores pelo preço elevado dos combustíveis e aponta como problema as alíquotas de ICMS, o principal imposto estadual. Os secretários estaduais de Fazenda, por sua vez, rebatem jogando a conta na política de preços da Petrobrás, que acompanha os preços internacionais do petróleo e reage também ao dólar mais caro ou mais barato.

O próprio presidente já entrou em rota de colisão com a Petrobrás e, em fevereiro, acabou demitindo Roberto Castello Branco, que até então comandava a companhia. Ele foi substituído pelo general Joaquim Silva e Luna, mas a mudança não indicou publicamente nenhuma alteração na política de preços da empresa – que, há três semanas, até reduziu valores na esteira do alívio no preço do dólar.
Caminhoneiros
A redução no preço do diesel é a principal demanda dos caminhoneiros, um dos grupos de maior peso na base de apoiadores de Bolsonaro. Foto: Wilton Junior/Estadão
Uma semana antes de demitir o executivo durante uma live para apoiadores, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto que altera a cobrança do ICMS sobre combustíveis. Desde então, no entanto, a proposta pouco andou e o próprio governo deixou de tratar o tema como prioridade.

Em 30 de março, Bolsonaro enviou ofício para cancelar a urgência do texto. Apesar disso, o relator, deputado Júlio César (PSD-PI), disse ao Estadão/Broadcast que pretende intensificar as articulações a partir da próxima semana.
O ICMS hoje incide sobre o preço do combustível – o preço médio ponderado ao consumidor final, que é reajustado a cada 15 dias. Cada Estado tem competência para definir a alíquota. No caso do diesel, ela vai de 12% a 25%, segundo dados da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis (Fecombustíveis). Na gasolina, a alíquota varia entre 25% e 34%.

Pela proposta, o imposto passaria a ter um valor fixo por litro do combustível – a exemplo dos impostos federais PIS, Cofins e Cide também incidentes sobre o produto. Se o texto for aprovado, Estados e Distrito Federal deverão regulamentar a nova lei por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne secretários estaduais de Fazenda, no prazo de 90 dias.
Se a mudança receber aval do Congresso Nacional, uma parte dos Estados acabaria tendo aumento de carga tributária, enquanto outros perderiam receitas e teriam que compensar com outro tributo por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), afirma o secretário estadual de Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles. Ele preside o Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz).

Hoje, os Estados arrecadam mais, de forma automática, cada vez que há aumento no preço dos combustíveis. Com a mudança, além de eventuais prejuízos, os governadores teriam que arcar com o desgaste político de elevar a alíquota cada vez que tivessem problemas de arrecadação.
Segundo Fonteles, há consenso entre os Estados de que o projeto, além de prejudicar os governos regionais, não resolve o problema. “A volatilidade de preços não tem a ver com a tributação dos Estados. Com isso, o projeto perde naturalmente a sua função”, afirma.

Ele diz que os secretários não se opõem ao debate da tributação sobre combustíveis, desde que ela seja feita no contexto de uma reforma tributária ampla. O governo, porém, tem trabalhado pelo fatiamento da proposta de reforma que vinha sendo discutida no Congresso – movimento ao qual o Comsefaz também se opõe.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) quer que o setor participe do debate. Segundo ele, se entre os Estados há resistência em relação ao projeto, a proposta é apontada como solução para as empresas que atuam no setor de combustíveis, já que o texto também concentraria o recolhimento de impostos no início da cadeia e evitaria a sonegação.

“Os entraves para a aprovação do projeto são grandes. De um lado, um governo que abandonou a agenda reformista em nome da própria sobrevivência. Do outro, governadores mais preocupados em manter e aumentar sua arrecadação do que simplificar com a adoção do modelo monofásico e ad rem (valor fixo por litro). No fogo cruzado, a população segue pagando quase R$ 6 por litro de gasolina”, diz ele.
Para o presidente da consultoria Datagro, Plinio Nastari, se o governo quer um modelo para amortecer a volatilidade dos combustíveis ao consumidor no curto prazo, o melhor seria usar a Cide como um tributo flexível. Nessa proposta, a Cide funcionaria como um fundo de compensação, cuja alíquota seria elevada quando o preço do petróleo cai e reduzida quando ele sobe.

“Essa era a concepção original da Cide. O mecanismo daria mais estabilidade aos preços e atenuaria também a frequência de reajustes. O que não pode é não corrigir o preço da refinaria conforme a paridade de importação, pois isso destrói o valor de mercado das empresas, desestimula investimentos e traz insegurança aos importadores”, diz Nastari.
A resistência a esse tipo de medida vem da área econômica, e o governo chegou a estudar a possibilidade de usar royalties de excedentes de exportação de petróleo e até parte da outorga do pré-sal para abastecer essa conta, mas, até agora, nada saiu do papel.
Para Nastari, o projeto que muda a tributação de ICMS dos Estados tem pouca chance de sucesso no Congresso. “Esse tipo de iniciativa cria conflito e gera uma queda de braço. Cada Estado deve definir a tributação de combustíveis conforme sua condição e política de desenvolvimento. É a forma que alguns usam para privilegiar os biocombustíveis onde há produção. É muito complicado imaginar alíquotas uniformes para todos os Estados”, afirma.

O governo federal já adotou medidas temporárias para reduzir o preço do diesel. Nos meses de março e abril, isentou a cobrança de PIS/Cofins sobre o combustível, a um custo de R$ 3 bilhões. A benesse foi revertida em maio, dada a impossibilidade do governo para continuar abrindo mão de receitas – qualquer medida nesse sentido precisaria ser compensada por outro aumento de tributo.
Mais recentemente alas do governo passaram a defender a instituição de um voucher, uma espécie de vale, que poderia ser usado na aquisição de combustíveis e, na prática, reduziria o peso desse custo sobre o bolso dos caminhoneiros. A proposta, porém, enfrenta forte resistência da área econômica, que não vê espaço fiscal para a iniciativa.

Custo em alta
Para o representante do Comando Nacional dos Transportes (CNT), Aldacir Cadore, com o preço alto do combustível e o custo elevado de manutenção dos veículos fica quase impossível para os caminhoneiros se manterem financeiramente. “O transporte vai entrar em colapso. A cada mês que passa as coisas têm piorado, não tem mais como rodar por conta de todos os custos”, avalia Cadore, que descartou qualquer possibilidade de greve.
Sobre as tratativas com governo federal, o representante do CNT informou que o Ministério da Infraestrutura agendou, para a próxima sexta-feira, 28, uma reunião entre as entidades de classe com o secretário Marcello Costa, para discutir a criação do Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), que promete reduzir a burocracia para a categoria.

Na semana passada, o presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, conhecido como Chorão, disse que “se o pacote (do governo federal) realmente sair do papel será um grande avanço para a categoria, com benefícios imediatos”.
A associação pediu ao Ministério de Infraestrutura a a extensão da isenção do PIS e Confins sobre o diesel. “Uma das demandas que reforçamos foi a continuidade da isenção de tributos sobre o diesel, pois, naquela data, o prazo de encerramento da isenção estava próximo. O governo sinalizou que não poderia ser prorrogado em virtude do teto de gastos”, relatou. A isenção foi válida até 30 de abril.
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