Riscos e prejuízos no controle de preços dos combustíveis

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Valor Econômico

Controles causaram prejuízo e afastaram investimentos externos em novas refinarias

Por José Mauro de Morais

Desde o início de março deste ano, os preços da gasolina e do óleo diesel comercializados pela Petrobras têm se mantido permanentemente abaixo dos preços do mercado internacional. No mês de abril, segundo diversas fontes, a defasagem média foi de cerca de 18% para a gasolina e 10% para o diesel. A redução forçada nos preços da Petrobras, isto é, desassociados dos custos de importação, se por um lado beneficia os consumidores, por outro provoca perdas de receitas para a companhia e quedas em seus lucros.
Um breve histórico das tentativas de retirada dos controles nos preços mostra que, em 1997, a nova Lei do Petróleo, nº 9.478, editada após o fim do monopólio na exploração de petróleo da Petrobras, fixou um período de transição para a liberação dos preços dos combustíveis. A mudança, iniciada em 1º de janeiro de 2002, procurava tornar viável a importação de combustíveis por outras empresas além da Petrobras, com o objetivo de aumentar a competição na oferta e assim obter reduções nos preços nos postos de combustíveis.
Contudo, em 2004-2005 e em 2008, o governo federal voltou a conter os preços dos combustíveis. Em 2011-2014, o ministro da Fazenda passou novamente a controlar os preços, impondo o mais longo período de prejuízos contínuos e em maiores valores à Petrobras. Os prejuízos anuais na área de refino, transporte e comercialização de combustíveis foram de US$ 5,7 bilhões em 2011, US$ 11,7 bilhões em 2012, US$ 8,2 bilhões em 2013, e US$ 15,8 bilhões em 2014, totalizando US$ 41,4 bilhões no período 2011-2014. No último ano, o elevado valor dos prejuízos decorreu também das baixas contábeis resultantes do esquema de desvios de recursos, revelado naquele ano, nas novas refinarias em construção.
As perdas da Petrobras com a comercialização de combustíveis são há muito conhecidas, porém, ainda não foram avaliados os impactos que os prejuízos representaram no agravamento da situação financeira da Petrobras, isto é, como afetaram seus lucros como um todo, e qual a dimensão relativa dos prejuízos de US$ 41,4 bilhões em relação ao patrimônio da companhia. Para essa segunda avaliação, comparamos o prejuízo com o valor arrecadado com as vendas de ativos do programa de desmobilização, adotado a partir de 2015.
Em 2011, a despeito do prejuízo de US$ 5,7 bilhões com combustíveis, a elevação nos preços internacionais do petróleo do tipo Brent, de US$ 79 o barril, em média, em 2010, para US$ 111 o barril naquele ano, manteve os lucros totais da Petrobras no mesmo patamar de 2010, isto é, US$ 20,1 bilhões, graças ao salto nos lucros na área de exploração e produção de petróleo. Porém, em 2012 e em 2013, os prejuízos na comercialização de combustíveis contribuíram para diminuir os lucros totais da estatal para quase a metade, isto é, US$ 11 bilhões em 2012 e em 2013. Em 2014 os impactos foram ainda mais profundos: a forte elevação do prejuízo na área de refino, isto é, US$ 15,8 bilhões, fez com que os lucros totais da Petrobras passassem para prejuízo de US$ 7,4 bilhões.
Na segunda avaliação, isto é, dimensionar os prejuízos totais da Petrobras na área de refino, em 2011-2014, em relação ao seu patrimônio, observamos que a adoção do programa de venda de ativos foi posta em prática após a revelação pela Polícia Federal, em 2014, de um grande esquema de desvios de recursos, que assaltava a Petrobras há vários anos. Estavam envolvidos nos esquemas de desvios o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a Refinaria Abreu e Lima (cujos primeiros desfalques começaram a ser descobertos por auditorias do TCU ainda em 2008), a Refinaria de Pasadena, a empresa Sete Brasil, e dezenas de outras obras licitadas pela Petrobras.
A adoção do programa de venda de ativos teve o propósito mais imediato de levantar recursos financeiros para o pagamento de juros e amortizações da elevada dívida assumida até 2014, que atingira o valor máximo de US$ 132,2 bilhões naquele ano. A Petrobras vendeu cerca de 60 ativos, de 2015 a 2022, compreendendo campos de petróleo, refinarias, a Petrobras Distribuidora, a Gaspetro, os gasodutos do Nordeste e do Sudeste, além de empresas em diversos países, que arrecadaram o valor total de US$ 44,04 bilhões até 2022.
A receita com o programa de desmobilização mostra que a Petrobras diminuiu seu patrimônio imobilizado (US$ 44,04 bilhões), depois de um grande esforço de venda dos ativos, em valor muito próximo dos prejuízos com os controles de preços em 2011-2014 e baixas contábeis das refinarias em construção (US$ 41,4 bilhões). A comparação expõe os efeitos negativos que as intervenções e controles nos preços dos combustíveis tiveram sobre o patrimônio da estatal. Pode-se ainda dar um passo adiante para se obter um quadro atualizado na comparação daqueles valores.
A correção das duas séries, ano a ano, até 2022, pelo índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos (CPI) apresenta os seguintes resultados: a soma atualizada dos prejuízos com os controles dos preços dos combustíveis e da baixa contábil de valores alcançou US$ 52,2 bilhões (cerca de R$ 260 bilhões atuais) e a soma das receitas obtidas com as vendas dos cerca de 60 ativos atingiu US$ 50,5 bilhões. Assim, verifica-se que o total dos prejuízos decorrentes dos controles de preços foram superiores ao total de todos os desinvestimentos que a Petrobras realizou até 2022, muitos deles referentes a ativos adquiridos nos primeiros anos da companhia.
Não obstante ter sido adotado de forma emergencial, o programa de vendas de ativos apresentou resultados positivos para a saúde financeira da Petrobras: a dívida bruta da companhia foi reduzida de US$ 132,2 bilhões, em 2014, para US$ 53,8 bilhões, em 2022, e seus indicadores de endividamento melhoraram substancialmente, permitindo o saneamento financeiro e o retorno ao mercado de créditos.
Os exemplos comentados representam intervenções políticas nos preços dos combustíveis que não mais deveriam ocorrer, pelas perdas que provocam nas receitas e nos lucros da Petrobras, e pelas distorções no consumo desses produtos, ao incentivar o incremento no uso de combustíveis fósseis poluentes em lugar do etanol, muito menos poluente, além do risco de sobrecarregar a Petrobras com importações que deixam de ser realizadas pelos demais agentes do mercado.

José Mauro de Morais foi pesquisador em energias renováveis e em petróleo no Ipea; autor de “Petróleo em Águas Profundas – Uma história da evolução tecnológica da Petrobras na exploração e produção no mar” (Ipea, 2ª edição, 2023).

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