ANP divide mercado ao forçar transparência nos preços

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Fonte: Valor Online

Enquanto elabora uma resolução para aumentar a transparência do sistema de preços dos combustíveis no Brasil e abrir dados da Petrobras, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) recebe críticas de agentes e especialistas que avaliam potenciais efeitos negativos e positivos. A medida também divide opiniões no mercado.
Luiz Carvalho, analista do UBS, se disse cético quanto aos impactos da resolução, que ainda está em fase de consulta pública, e acredita que ela pode afetar negativamente as margens de produtores como a Petrobras e grandes distribuidoras com papéis negociados em bolsa, como a Cosan, BR e Ultrapar.
"É importante ressaltar que monitorar todos os atores do mercado será difícil, caro e pode introduzir mais burocracia no ambiente de negócios", escreveu o analista junto com Gabriel Barra em um relatório distribuído para clientes do banco.
Leonardo Gadotti, presidente da Plural, associação que reúne as maiores distribuidoras de combustíveis do país vê a medida em estudo pela ANP como um retrocesso. "É uma intervenção. Não vemos como isso vai trazer benefícios para o mercado, pelo contrário, vai afugentar investimentos em refino e trading [comercialização] em uma área critica", disse o executivo ao Valor.
Já André Hachem, do Itaú BBA, avalia que a ANP deu um passo à frente na "salvaguarda da autonomia da Petrobras na sua política de preços". Hachem observa que uma das principais preocupações dos investidores e analistas que acompanham a Petrobras tem sido o preço do combustível, e a possibilidade de intervenções. E com a nova regra, que obriga a publicidade sobre a fórmula que baliza os preços, a empresa ficará mais protegida.
"Sob os novos regulamentos, a Petrobras teria que anunciar publicamente mudanças em sua fórmula de preços, o que poderia, a nosso ver, acabar com o incentivo de ter o preço dos combustíveis da Petrobras abaixo da paridade internacional", escreveu Hachem em um relatório.
Para Vicente Falanga, do Bradesco, as novas regras em análise mostram disposição do governo em estabelecer uma estrutura que garanta a concorrência entre as diferentes fontes de suprimento de combustível no Brasil, o que ele considera positivo. Falanga avalia que a obrigação de dar maior transparência no cálculo de preços e a eliminação de médias entre as regiões - já que a Petrobras informa apenas uma média nacional dos preços de cada combustível - "foi um aspecto fundamental que os importadores de combustíveis defendiam como condições saudáveis para as importações".
Um dos pontos mais atacados é a obrigação de informar a fórmula de preço adotada para gasolina, diesel, querosene de aviação (QAV), gasolina de aviação (GAV); gás liquefeito de petróleo (GLP), todos os tipos de óleo combustível e todas as categorias de cimento asfáltico de petróleo e lubrificantes básicos. Deve abrir as informações o agente que tiver participação de mercado superior a 20%.
O artigo 4º da minuta informa que os contratos de fornecimento de gasolina A, óleo diesel A, óleo diesel marítimo, óleo combustível para turbina elétrica (OCTE), asfaltos, combustível de aviação e GL), "todas as parcelas da fórmula de preço parametrizado, positivas ou negativas, deverão ser claras, objetivas e passíveis de cálculo prévio pelos agentes econômicos partícipes do contrato e pela ANP".
As maiores críticas são na direção do ponto em que a ANP exigirá que cada empresa torne públicas informações consideradas confidenciais e "intestinas", nas palavras dos que acusam o regulador de fazer uma intervenção no mercado. Isso porque nos Estados Unidos, o que é coletado são as transações e os preços, mas não as companhias.
A Argus Media, uma grande empresa do mercado e que hoje é responsável pela cesta de petróleos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) faz levantamento dos preços dos combustíveis no Golfo com base em cerca de 90% das transações entre refinarias, distribuidoras, tradings, e corretoras realizadas no mercado spot.
Em mercados maduros, empresas americanas e europeias reportam diariamente suas transações de forma voluntária. Já a resolução da ANP obrigará as empresas tornem públicas informações sobre o "preço de lista parametrizado, para cada um dos produtos à venda, em cada ponto de entrega, no ato do reajuste do preço ou da alteração dos parâmetros da fórmula", segundo a minuta.
Especialista consultado pelo Valor que prefere não ser identificado diz que não há paralelo a isso em nenhum lugar do mundo e tem dúvidas sobre se a ANP tornará públicas todas as informações que vai solicitar das empresas. "Existem países como Equador e México que publicam suas fórmulas de exportação de petróleo, por exemplo, mas são empresas estatais. E existem várias entidades governamentais que possuem sua própria fórmula de paridade de importação, como Uruguai e Chile, que publicam seus números para que os agentes usem como referência. Mas desconheço entidade governamental que force esse tipo de abertura", afirma.
Diretor-geral da ANP, Décio Oddone disse ao Valor que não vai haver fiscalização nem burocracia. E que o objetivo é tornar públicos os preços e todas as informações que permitam identificar como eles foram formados.
"O objetivo é dar mais transparência e estabilidade ao mecanismos de formação de preços, para diminuir a dependência das importações", afirmou Oddone.
Segundo ele, no longo prazo a iniciativa de dar mais transparência ao assunto dará à sociedade o conhecimento e o que ele chama de legitimidade ao mercado de combustíveis.
"Isso é fundamental para que os novos investidores em refino possam se programar e terem garantira de que serão remunerados. Isso nunca tivemos porque a política de preços nunca foi conhecida pela sociedade", completa.
O especialista em mercados de commodities sugere que o Brasil adote uma estratégia intermediária. Lembra que a transparência ocorre naturalmente com o aumento do número de participantes em todos os elos da cadeia de fornecimento, especialmente no refino. "Como o refino ainda muito concentrado em torno de Petrobras, o melhor caminho seria forçar a companhia a publicar seus preços diariamente por base, e não a média mensal e, paralelamente a isso, a ANP publicaria o preço de paridade de importação", diz. " Isso ajudaria o mercado a entender se há prática de dumping ou não".
Um analista que também preferiu não ser identificado acha que a discussão é de certa forma "inútil" porque, a seu ver, apesar de a Petrobras ter total controle sobre o refino no país, ainda não tem liberdade para decidir "não mais importar" caso não seja economicamente atrativo. "Mercado livre é ela [a Petrobras] poder decidir o que fazer", pondera.
As mudanças em análise não têm relação com a política de subsídio do governo para encerrar a crise dos caminhoneiros. Eles reclamavam da alta dos preços e também da periodicidade dos reajustes, que podiam ser diários. O governo ajudou a baixar o preço dando uma subvenção de R$ 9,5 bilhões, mas o aumento médio de 13% no fim do mês passado reaproximou os preços do diesel para perto do que estava em maio. Já a periodicidade mensal continua garantida.

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