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A Tarde

Paulo Guimarães, diretor-presidente da BahiaInveste

Com um potencial para energia eólica, solar e de biomassa que nenhum outro estado do país tem, a Bahia precisa agora desenvolver cada vez mais sua indústria para que essa capacidade mude de fato a realidade da população do estado.

“Considerando que esse grande potencial está no interior – no caso de eólica e solar, no semiárido – isso pode ser realmente transformador. Mas só se soubermos aproveitar essas fontes de energia não somente para exportar commodities”, explica o presidente da empresa estatal BahiaInveste, Paulo Guimarães, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.

Na conversa, ele falou de outras potencialidades do estado e defendeu que, mais do que a transição energética, precisamos de uma transição ecológica. “Quando a gente fala de transição ecológica, e principalmente de transição ecológica justa, a gente fala em mudar a forma de viver, diminuir os nossos desperdícios, reciclar o máximo que puder”, explica. Acompanhe essas e outras questões na entrevista que segue.

Até meados do século passado, a Bahia era um estado essencialmente agrícola e isso começou a mudar com a indústria do petróleo. Hoje, se destaca na energia eólica e solar. Como as energias renováveis podem moldar o futuro do estado?

A Bahia tem um potencial de energia eólica, energia solar e também de biomassa que talvez nenhum outro estado do país tenha. Alguns estados têm só energia eólica, outros só solar, às vezes biomassa. Mas a Bahia reúne tudo. E há ainda outro aspecto que poucos estados têm: uma quantidade abundante de água, tanto águas superficiais nos rios, quanto nos aquíferos. Considerando que o grande potencial de energia eólica, solar e da biomassa está no interior – no caso de eólica e solar, no semiárido – isso pode ser realmente transformador. Mas só se soubermos aproveitar essas fontes de energia, não para exportar commodities. No momento que a gente simplesmente exporta soja, milho, algodão, sem nenhum processamento, a gente está exportando água, terra, vento e sol. A mesma coisa acontece quando se fala do hidrogênio verde. Se a gente só produzir hidrogênio e tentar exportá-lo, a gente está perdendo a oportunidade de gerar emprego de alto valor agregado. Porque o que essas energias e a biomassa nos trazem é a possibilidade de uma nova indústria. Uma indústria baseada em fontes renováveis, tanto para combustíveis, quanto para produtos químicos e agrícolas. Hoje, nós já somos os grandes produtores de grãos, mas industrializamos pouquíssimo ou quase nada. A oportunidade está posta.

O que nós precisamos fazer para aproveitá-la?

Investir em infraestrutura, educação, tecnologia e, principalmente, em projetos sociais e ambientais que façam com que esta transição se dê com redução de desigualdades. Nós estamos falando em parques eólicos e parques solares, por exemplo, no oeste e no semiárido da Bahia. São regiões que, apesar de ter essa riqueza toda, têm uma população pobre, pouco educada e, principalmente, pouco educada nas competências e habilidades que serão demandadas cada vez mais. A gente precisa, antes de mais nada, ter gente qualificada para aproveitar os empregos que serão gerados . Por que é importante? Porque a gente precisa fixar as pessoas onde elas nasceram; elas precisam ter oportunidades ali. As próprias empresas estão chegando à conclusão de que não adianta trazer uma pessoa de fora, porque ela vai ficar lá por um tempo e depois vai embora. Se você qualifica as pessoas da região – em um primeiro momento, até mandando elas estudarem fora para depois voltarem – você começa a consolidar as pessoas no local e gerar oportunidades para quem nasce ali. Não adianta nada também a gente ficar eternamente importando tecnologia. E tudo que se fala hoje de transição – aproveitamento de biomassa para indústria química, hidrogênio verde – ainda requer desenvolvimento tecnológico.

Nós estamos hoje numa fronteira muito parecida com o que nós estávamos há 40 anos, quando começou o programa do Pró-Álcool. A tecnologia de produção e de processamento desse álcool foi evoluindo muito ao longo do tempo. Nós, como país, deixamos de investir nesse desenvolvimento tecnológico e fomos ultrapassados tecnologicamente, por exemplo, pelos Estados Unidos em tecnologia de produção etanol. Hoje, o etanol acaba sendo produzido a partir do milho e, no passado, era muito mais viável por cana-de-açúcar. Nós não podemos perder essa oportunidade agora e ficar só importando tecnologia. Temos que realmente investir em desenvolvimento tecnológico dentro do país. Conhecimento e competência existem para isso nas universidades públicas estaduais, federais e mesmo em muitas universidades privadas. Nós temos o Cimatec aqui. É um conjunto de gente competente. Tanto gente com experiência industrial, quanto gente formada nas universidades, mestre e doutores, que podem perfeitamente desenvolver essa tecnologia. Precisamos dar apoio para que isso aconteça.

Qual é o papel da BahiaInveste neste processo?

É exatamente fazer a ponte entre quem está investindo aqui e o setor de tecnologia com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, com as universidades, com o Cimatec. Para que a gente possa fazer com que as empresas que estão investindo, também invistam em tecnologia na Bahia. Uma preocupação que tem sido muito forte do governador do estado é, quando a empresa vem para cá, tentar fazer com que ela implante um centro de tecnologia aqui. A Secretaria de Ciência e Tecnologia está discutindo com o pessoal da Acelen (empresa que controla a refinaria de Mataripe), por exemplo, a implantação de um centro de tecnologia. E olhe que não estamos falando apenas de tecnologia da indústria de produção, de diesel renovável, de querosene de aviação. Nós estamos falando principalmente de tecnologia agrícola. O projeto da Acelen de produção de combustíveis renováveis, passa pela necessidade de produção de dendê, de macaúba para esse processo. O desenvolvimento tecnológico está na agricultura. Nós temos condições de fazer isso.

O governador tem insistido muito com a BYD para implantar um centro de pesquisas para as tecnologias dos automóveis e dos equipamentos que eles vão produzir aqui. O melhor exemplo de como temos competência para isso é a Ford. A Ford não foi embora da Bahia. Ela deixou de fazer manufatura de veículos na Bahia, mas deixou aqui o seu cérebro. Deixou aqui em Camaçari um dos seus melhores centros de design do mundo. Os engenheiros baianos que eram 700, hoje estão em 1500. Vão chegar a quase 2000. São engenheiros que hoje estão projetando veículos para a Ford mundial.

Nós temos competência, temos condições de fazer isso. Esses jovens não saíram do nada, eles foram formados nas nossas universidades. É isso que precisamos fazer. Principalmente fazer esse nível de conhecimento chegar às universidades, aos institutos federais no interior do estado. Desenvolvimento tecnológico e educação são investimentos que o Estado faz o tempo todo. Tanto do ponto de vista de buscar recursos junto ao governo federal – através do Finep, BNDES, MCTI – e também fazer investimento através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado.

Portanto, a nossa função na BahiaInveste é fazer a junção de onde estão as fontes de recurso e onde está o conhecimento que precisa ser gerado para as empresas que estão chegando aqui. E isso acontece também em relação à infraestrutura. Não dá para chegar no oeste da Bahia, no semiárido e conseguir produzir energia eólica, solar, produtos verdes, sem infraestrutura elétrica, linhas de transmissão, linhas de distribuição, sem rodovias, e ferrovias, sem portos.

O senhor disse numa palestra que um dos grandes gargalos para implantação de projetos de energia solar e eólica na Bahia é a regularização fundiária. Por que é tão importante fazer essa regularização?

No caso da das energias renováveis, é preciso ter a área regularizada. O que significa isso? É ter os títulos de propriedade dados a quem efetivamente é proprietário da área. O que nós fazemos na Bahia é estimular o arrendamento dessa área pelas empresas que vão gerar energia. Como nós estamos falando do semiárido, quase todas essas áreas são chamadas de áreas devolutas. São áreas ocupadas por famílias, por comunidades que não têm documentação daquilo ali. Nós temos agricultores, comunidades de fecho e fundo de pasto, quilombolas, povos originários. Gente que ocupa essa área e que nunca teve documentação. É obrigação do Estado, fazer a regularização fundiária. Definir se aquelas comunidades efetivamente estão ali, moram ali há décadas para dar o título de propriedade. Porque quem vai arrendar um parque desse, uma empresa de eólico, uma empresa de solar, paga pelo arrendamento.

Para você ter uma ideia, um aerogerador, ou seja, uma turbina eólica gera entre quatro e seis megawatts. E um parque tem 300, 400 megawatts. Estou falando de 80, 100 turbinas dessas. Cada turbina paga para o proprietário da terra quatro, cinco mil reais por mês numa região onde você tem muito pouca atividade econômica, muito pouco emprego. Imagine que você é um proprietário de terra que tem lá alguns hectares e dentro desses hectares você tem cinco aerogeradores. Você tem cinco geradores e tem R$ 25 mil por mês de renda. Essa renda é para você não fazer nada. Inclusive, se naquela área dos aerogeradores, o tipo de cultura é de gado ou cabra, você pode continuar fazendo aquilo ali. Não há impedimento algum. É uma renda que essa população não tinha e que pode dar margem a outro tipo de atividade, a investimento, a educação, gerar atividade econômica no local.

Quem visita hoje os municípios onde parques eólicos e solares estão implantados, e visitou no passado, vê que houve uma mudança muito grande. Caetité, Sento Sé e diversos outros municípios mudaram radicalmente. Não só porque durante a construção se fez muito serviço, se pagou muito ISS aos municípios e se gerou uma quantidade enorme de empregos. Mas porque você tem os empregos gerados durante a construção, que são milhares, e depois tem o arrendamento da área que é pago pelo gerador de energia. Se você considerar que, nesse corredor de vento da Bahia, hoje não se explora nem 5% do potencial que existe lá, imagine o quanto não tem ainda para explorar e beneficiar socialmente essas comunidades.

No caso dos parques eólicos e solares, o modelo híbrido se adapta mais às condições da Bahia?

A Bahia tem um potencial enorme de modelos e de parques híbridos. Porque não necessariamente onde você tem potencial solar, tem potencial eólico. No caso da Bahia, em grande parte da região, eu tenho grande potencial eólico e tenho um grande potencial solar também. Na verdade, o potencial solar é ainda maior que o eólico. É seis vezes maior. Considerando que o custo da energia solar vem caindo muito, aqui na Bahia a gente vai ter um potencial de implantação de placas fotovoltaicas, parques solares onde já têm parques eólicos. Isso é muito interessante porque um dos problemas que existem com as energias eólicas e solar é o que a gente chama de intermitência das fontes. Eu não posso garantir quando vai ventar e quando vai fazer sol. Claro, a gente tem mais de dez anos de histórico de dados que nos dá condições de avaliar qual é a confiabilidade ou não da época de geração de sol, da geração de ventos mais fortes. Mas os dois se complementam. Eu tenho sol durante o dia, vento durante a noite.

Os ventos baianos são essencialmente noturnos. Hoje a gente está trabalhando para que consiga implantar – e as empresas estão investindo nisso – bancos de baterias estacionárias, que parecem contêineres, nesses parques. Para que a gente possa ter uma qualidade melhor do sinal. Ou seja, se por acaso houver uma oscilação na geração, ele se complementa com a bateria. Como se diz, limpa o sinal elétrico e, com isso, você pode também acumular energia para a hora que tiver maior demanda. É aquela famosa brincadeira de estocar vento. É a forma mais interessante de estocar vento do ponto de vista dos parques que ficam nessa região aqui, porque são todos onshore.

O que acontece? À noite, quando a maior parte do vento sopra e gera energia, a demanda é menor. Na hora que você põe a bateria, armazena essa energia e, durante o dia que você tem picos de demanda, descarrega a bateria. Existem diversas formas de armazenamento de energia e a bateria é a mais usual. Mas essa é uma tendência: parques que vão ter eólica, solar e bateria para a gente ter energia o dia todo. O que a gente precisa agora, e é por isso que a gente está trabalhando tanto nessa transição do ponto de vista de agregar valor, é de demanda carga. Ou seja, eu preciso de indústria que demande energia, consuma essa energia e transforme nos produtos que a gente usa.

Os investimentos nas linhas de transmissão de energia ainda são uma grande lacuna para desenvolver esse setor no estado?

Nós passamos seis anos de trevas até o ano passado quando o governo federal começou a fazer os leilões de energia elétrica. Hoje, nós temos finalmente um horizonte de, até o fim da década, robustecer bastante as nossas linhas de transmissão. Principalmente nas duas áreas mais carentes do Estado – a região oeste que, por falta de linhas de transmissão ainda não é industrializada como deveria, e a região sul, que também é carente. As duas estão contempladas nos leilões de energia elétrica que estão sendo feitos pelo governo federal. Nós estamos procurando essas empresas que ganharam os leilões exatamente para apoiar a implantação dos parques. Porque, elas vão contratar também muita gente para implantar os parques nas linhas de transmissão. E a gente pode acelerar esse processo de implantação das linhas para que, mais cedo, consiga botar projetos andando.

A nossa preocupação agora é conseguir que haja também um plano de expansão da Coelba, da própria concessionária, para que a gente não fique só com a linha de transmissão. Porque a gente tem carência também de linhas de distribuição de energia. Que a Coelba faça o investimento, porque não adianta nada eu ter aquela linha enorme e não ter como chegar ao consumidor lá embaixo.

A Bahia e o Nordeste são exportadores de energia, mas o ICMS é cobrado no local de destino. A Reforma Tributária, que ainda vai ser regulamentada, corrige essa injustiça?

Eu não conheço os detalhes da Reforma Tributária, porque isso foi negociado pela nossa Secretaria da Fazenda. Mas a Reforma Tributária que vai valer a partir de 2033, deve levar isso em consideração. Não sei exatamente se vai compensar totalmente, até porque o ICMS vai deixar de existir, vai ser outra estrutura tributária. Independentemente disso, com certeza arrecada mais quem consome essa energia e transforma em produtos. Essa injustiça de só pagar ICMS no destino faz a gente exportar energia para outros estados e não deixar nada para o nosso povo. Por isso, a nossa busca por empresas, por projetos que consumam energia aqui, para que a arrecadação seja na Bahia.

Enquanto não houver a mudança na Reforma Tributária, a única forma da gente conseguir aumentar a nossa arrecadação é trazer para cá projetos de grande consumo de eletricidade. Por exemplo, um projeto como o da BYD, que vai consumir uma quantidade grande de eletricidade. Apesar de ter incentivo fiscal de ICMS, é um projeto que vai fazer com que o consumo seja aqui e que os milhares de empregos que vão gerar, sejam gerados aqui. A mesma coisa acontece com os projetos que as empresas estão implantando no oeste da Bahia de produção de combustíveis renováveis, ração animal, batata, que vão consumir quantidades enormes de energia. E aí sim, essa energia vai gerar ICMS que vai ser pago aqui na Bahia.

Tem vários projetos que estamos discutindo para o Polo industrial de Camaçari, principalmente nessa área de processamento de minérios que vão consumir quantidades enormes de energia. A mesma coisa o hidrogênio verde. O nosso foco é arranjar carga para que a gente possa gerar energia e consumir ela aqui. Mesmo que no futuro isso venha a ser equilibrado pela reforma, com certeza o quinhão maior vai caber para quem fizer o processamento. Porque virá a arrecadação não só do ICMS da energia, mas dos produtos que vão ser fabricados a partir dela.

Na mesma palestra que mencionei, o senhor defendeu que mais do que a transição energética, a Bahia precisa fazer uma transição ecológica. O que significa isso?

É uma grande falácia as pessoas acharem que basta substituir o petróleo por fonte renovável que vão viver no paraíso. Não é assim. Primeiro, que o nosso nível de dependência do petróleo é muito maior do que as pessoas imaginam. Tudo isso que nos cerca aqui é petróleo. Ele foi feito exatamente para gerar esses produtos que estão aqui. O problema é que a gente usa mais ele para queimar do que para produzir essas coisas. Quando a gente fala de transição ecológica, e principalmente de transição ecológica justa, a gente fala em mudar a forma de viver, diminuir os nossos desperdícios, reciclar o máximo que puder. Produzir produtos plásticos a partir de materiais já consumidos é muito mais barato, inclusive do ponto de vista de consumo de energia, do que tirar petróleo e transformar em plástico.

Hoje, grande parte das empresas que produzem e vendem refrigerantes ou água, tudo em garrafas PET, recicla as garrafas. Em vez de pegar plástico novo e produzir a garrafa, pega a garrafa antiga, transforma em resina novamente e em uma nova garrafa. Isso é diminuir a necessidade de petróleo. É diminuir a quantidade de lixo que vai para o mundo. É diminuir a quantidade de energia que se gasta nessa produção. Reciclar tudo que é possível reciclar é extremamente importante. É uma nova economia que valoriza a reciclagem de vidro, de plástico, de metal.

Quando a gente fala em transição ecológica, a gente fala também em recuperação de áreas degradadas. O Brasil tem 20 milhões de hectares de áreas degradadas, a Bahia tem seis. O que é recuperar essas áreas degradadas? É replantar com outras culturas que possam trazer alimentos para as pessoas. Reflorestar com vegetação nativa e que possa depois ter um manejo sustentável. É recuperar áreas degradadas de parques. E isso pode inclusive gerar novas receitas, através do mercado de carbono. Poderemos vender esses créditos de carbono. Ao ponto em que a gente está recuperando áreas que estão devastadas está gerando receita.

Nossa maior contribuição como país para o efeito estufa não é a emissão de CO2, é a emissão de biogás. Biogás é a mesma coisa que gás natural, só que gerado através de biomassa. Quando falo maior, é de 70%. As pessoas não sabem que esse biogás, quando emitido durante um período de 20 anos, é mais danoso do que o CO2. Ou seja, no curto espaço de tempo é pior emitir biogás do que emitir CO2. Esse biogás vem de resíduos sólidos urbanos. Por que a gente fala em biodigestor? Porque a matéria orgânica, quando apodrece, vira biogás. Se temos lixões, aterros que não tem aproveitamento do biogás, esse biogás vai para onde? Vai para atmosfera. E ele vai ser gerado de qualquer forma, porque o lixo vai apodrecer

Nós temos também alguns dos maiores rebanhos do país. Rebanhos de bovinos, ovinos, caprinos, suínos. Todos esses rebanhos emitem biogás. Agora que nos apareceu o primeiro projeto lá no oeste da Bahia de uma empresa que tem um rebanho enorme de gado e vai usar o biogás num projeto de produção de etanol de milho. Vai reaproveitar esse biogás. Ou seja, quando a gente fala de transição ecológica, fala também de diminuir a emissão de biogás. Seja aproveitando resíduos sólidos urbanos, seja aproveitando o biogás que já é gerado, seja aproveitando os resíduos agrícolas para produzir outras coisas. Eu posso pegar esse biogás, o resíduo agrícola, até o esgoto sanitário e produzir biocombustível. Posso produzir produtos químicos, diminuir a emissão.

Uma das formas que tenho de produzir etanol ou metanol verde é pegar esse gás carbônico biogênico como a gente chama, oriundo da queima de biogás, misturar com hidrogênio verde e produzir combustível. E vou queimar de novo. Se eu emitir CO2 biogênico, que é o CO2 do resultado do processamento do biogás, ele não contribui para o efeito estufa. Porque ele foi absorvido pela biomassa para poder crescer. Aí eu escolhi, em vez de reemitir isso na forma de biogás, reemitir na forma de CO2. Essa é uma área de pesquisa importante que as nossas universidades e centros de pesquisas estão desenvolvendo.

Você já deve ter ouvido falar de uma coisa chamada captura de CO2. Captura, armazenamento e uso de CO2 são três coisas muito importantes quando a gente fala de transição ecológica. Porque o nosso problema é diminuir a quantidade de CO2 solto na atmosfera. Muito se fala de descarbonização, mas as pessoas não contextualizam isso. Se eu for fazer descarbonização total, eu vou acabar com a vida sobre a face da terra, porque todo o organismo vivo tem carbono. Os quatro elementos que garantem vida – carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. Esses quatro garantem tudo.

O problema é o carbono solto por aí. Se pego esse CO2 e capturo, eu não deixo ele ser emitido. A questão é que vou fazer com ele agora. Eu posso armazenar em cavernas, mas posso fazer um uso mais nobre. Posso usar ele na própria indústria química para gerar novos produtos sem precisar buscar no petróleo. Lembre do seguinte: essas coisas que nos cercam aqui têm carbono e hidrogênio. Se eu tiro desse biogás os dois – carbono e hidrogênio – posso fazer tudo isso que está aqui. Por que não fazemos? Porque o petróleo é muito mais barato ainda.

O que fazer para equilibrar essa equação?

A gente precisa de tecnologia que leve à redução dos custos. E a gente precisa de regulação. Eu li outro dia um livro que dizia o seguinte: o mercado por si só não vai salvar o planeta, porque ele está preocupado com o retorno dos seus investimentos. Se eu não vier com regulação, estabelecer limites, não vou estimular que essa situação mude. Quando se fala de regulação no Brasil, todo mundo se arrepia pensando que vem o comunismo. Nas últimas semanas a meca do capitalismo, o governo dos Estados Unidos, estabeleceu uma série de metas de redução de emissões por veículos de todos os tipos ao longo dos próximos anos. À medida que o tempo vai passando os limites que você poderá emitir vão diminuindo. O que significa isso? Se eu não consigo desenvolver tecnologia para emitir menos usando petróleo, vou ter que começar a usar outras fontes que emitam menos. Regulação não é impedir que façam as coisas. Mas é criar os limites que levem ao que a gente deseja.

Porque existe uma lei que você já deve ter ouvido falar, que é a Lei de Murphy. E uma das regras da Lei de Murphy diz o seguinte: as coisas deixadas à própria sorte vão sempre de mal a pior. Porque cada um vai pensar no seu bem-estar. Quando chego ao supermercado e, em vez de levar o meu saco de pano, pego um saco plástico e depois jogo fora, eu não estou fazendo minha como poderia para a coisa melhorar. Quando se fala de transição ecológica, a gente precisa diminuir a quantidade de lixo que gera. Se você vai hoje a um supermercado, a uma lanchonete e compra alguma coisa, vem às vezes mais embalagem do que comida.

Qual é o papel que a mineração tem nesse processo de descarbonização?

Há uma máxima que diz que, na terra, o que você não cultiva, você extrai. E extrair significa mineração. Petróleo é minério, só que é uma categoria à parte. Tudo que nos cerca tem minério. Esse celular que está aqui, a lâmpada, a roupa que a gente veste, tudo tem minério. A mineração é absolutamente crucial para a vida no planeta. E para a transição ecológica é mais importante ainda. Por quê? Porque, para que a gente consiga construir os equipamentos que precisa – aerogeradores, baterias elétricas – a gente precisa de minerais. Esses minerais que viabilizam esses equipamentos, são chamados de minerais de transição, minerais críticos. Nós estamos falando de cobre, níquel, cobalto, vanádio, grafite, sílica, quartzo, que são os minerais que permitem a construção desses equipamentos.

A Bahia tem a maior diversidade de minerais críticos do Brasil. A Bahia não tem o volume de minérios que o Pará tem, que Minas Gerais tem, mas tem a maior diversidade. Quando a gente fala, por exemplo, de bateria, todo mundo fala de lítio. Mas numa bateria você usa mais cobre e níquel do que lítio. E a Bahia tem produção de cobre, níquel, vanádio que é outro mineral muito importante para baterias estacionárias. E grande parte de todas as produções minerais que existem na Bahia hoje são oriundas do trabalho da Companhia Baiana de Produção Mineral. Foi a CBPM que descobriu o níquel de Itagibá, o vanádio de Maracás. A CBPM tem um portfólio enorme de oportunidades desses minerais que ela pesquisa, chega a conclusão de que aquilo tem viabilidade econômica, mas ela não faz a exploração. Ela licita o direito minerário para que as empresas explorem. Ela está agora buscando também se tornar parceira desses projetos a partir desses minerais críticos, porque é importante para alavancar e até viabilizar os projetos.

Se a gente tem uma sílica como a gente tem ali em Santa Maria Eterna, perto de Belmonte, a CBPM pode viabilizar um projeto dessa natureza. A companhia é, portanto, essencial para garantir que não só consiga alavancar esses projetos, mas que a gente consiga também garantir certo retorno social para essa mineração. A CBPM é uma empresa estatal. Então o que ela conseguir fazer, alavancar, vai começar a gerar emprego e trazer arrecadação pro Estado que será usado em projetos sociais. Não vai ser só um projeto que vai beneficiar uma empresa que chegou lá, fez a pesquisa, está explorando, mas tem um retorno social muito menor para o Estado. Nós temos hoje a CBPM como uma das empresas mais importantes do Estado para que a gente possa participar desse processo de transição em todos os seus aspectos.

Tudo começa com a mineração, a agricultura, o vento e o sol. A gente tem todos esses elementos. O que a gente precisa agora é que a CBPM acabe funcionando não só como a alavanca, mas como a indutora de investimentos, principalmente de mineração sustentável. A nossa busca é que a mineração use energia limpa. Isso vai acontecer no momento em que a gente começar a produzir produtos ou combustíveis renováveis, que os caminhões da mineração usarem combustíveis renováveis. Porque, veja, toda indústria baiana hoje que consumir energia elétrica pode dizer que ela é praticamente 100% limpa. Pouco se gera na Bahia energia que não seja de fonte limpa. Isso oscila hoje entre 93% e 95% de fonte limpa. E, dependendo da época do ano, como essa agora que os ventos começam a soprar, no balanço do dia, você pode dizer que a gente exportou energia limpa. Portanto, tudo que a gente consumiu pode-se dizer que é limpa também.

Mudando de assunto, temos a maior baía do Brasil e a segunda maior do mundo, que é a Baía de Todos-os-Santos. O que fazer para transformá-la também num fator de crescimento econômico do estado?

A Baía de Todos-os-Santos é o ponto focal para onde vai fluir tudo que a gente produzir e que for exportar. O Porto Sul vai ser importante? Vai trazer a produção do oeste pela FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), para sair pelo Porto Sul. Mas a gente tem um estado que é do tamanho da França. É um estado enorme, que tem na região do Recôncavo uma concentração de produção industrial importante. O maior polo petroquímico que nós temos, já é uma indústria automotiva de grande porte. A BYD não está chegando para brincadeira. Ela já anunciou que vai produzir aqui 50% a mais do que a Ford produzia. Não estamos falando de uma indústria pequena. É na Baía de Todos-os- Santos que também está a segunda maior refinaria do Brasil. É onde vai ficar a primeira biorrefinaria, que será ali do lado da refinaria de Mataripe. Nós temos em Camaçari, a 30 quilômetros do Porto de Aratu, o polo químico e petroquímico. Portanto, nós temos tudo ali. Nós temos o Enseada do outro lado da Baía de Todos-os-Santos, que é um porto e um estaleiro. Nós temos o terminal de Madre de Deus, que pertence a refinaria. Temos o Porto de Aratu, o Porto de Salvador.

A baía pode ser um ponto focal de escoamento dessa produção de minério, de combustíveis renováveis, de produtos químicos renováveis em Camaçari, da entrada e saída de equipamentos eólicos e solares. A Goldwind e Sinoma Wind, indústrias que estão instalados aqui em Camaçari, passam a ter possibilidade de, a partir do porto de Aratu, exportar para os Estados Unidos e Europa. Basta lembrar que essas duas empresas hoje estão entre as líderes mundiais na produção de aerogeradores. E são as duas primeiras fábricas delas fora da China. A partir daqui é muito mais fácil exportar para o mercado americano e europeu. Nós estamos falando de exportar aerogeradores para outros países, para África.

Nós estamos negociando também a instalação de uma fábrica de painéis fotovoltaicos a partir da nossa sílica de Belmonte. E eles serão os primeiros painéis fotovoltaicos limpos, porque toda energia que será usada para produzir esses painéis será limpa. Eu posso usar esses painéis no Brasil e posso exportar. A gente tem que entender que tem um potencial solar na África enorme também. É só atravessar o Atlântico para exportar isso para lá. E por onde vai sair? Pela Baía de Todos-os-Santos.

O que a gente precisa, para garantir que a Baía de Todos-os-Santos seja esse ator que vai congregar tudo isso, exportando combustíveis para navio, avião, é garantir que os portos cresçam como precisam. Aí precisa de investimento público junto com o investimento privado. E fazer com que as ferrovias cheguem. Nós estamos já no processo de construção da FIOL, mas nós precisamos revitalizar a FCA (Ferrovia Centro-Atlântica) também, que é a nossa ferrovia mais antiga e que não é utilizada hoje.

Já que estamos falando da CBPM, a companhia encontrou a cerca de dois anos atrás, uma província mineral de 300 quilômetros lá na região de Campo Alegre de Lourdes. Essa produção mineral, que em grande parte são minerais críticos, precisa descer pela ferrovia de Juazeiro até o Porto de Aratu. É um complexo ferroviário e portuário.

Hoje temos boa parte de nossa produção de grãos que não consegue sair pelos portos da Baía de Todos-os-Santos porque não têm capacidade. A gente quer que continue saindo, mas a gente quer também que esses grãos saiam como ração, óleo, farelo. Processado lá no oeste. Mas aí vai precisar de ferrovia, de combustível renovável para vir pelas rodovias. E vai precisar do porto. A gente precisa ampliar o Enseada, o Porto de Aratu. E precisa que Salvador continue sendo o grande porto de contêineres que a gente tem. O potencial da Baía de Todos-os-Santos é absolutamente imenso. Isso só falando da indústria tradicional. Só que a Baía de Todos-os- Santos, com a sua riqueza cultural e natural, ela pode ser fruto de diversos investimentos econômicos, náuticos, de resorts e o que seja.

A gente não pode se esquecer que a ponte Salvador-Itaparica está começando a ser construída e daqui a 5 anos estará pronta. Quando a ponte estiver pronta, nós vamos ter uma nova cidade em Itaparica.

Esse prazo de 5 anos para conclusão da ponte é exequível?

É um prazo que está dentro do contrato. Eu acredito que, uma vez iniciada a construção, ela não vá atrasar. O que tinha que atrasar, já atrasou, grande parte disso fruto da pandemia que desconcertou tudo. Mas uma vez a construção da ponte começando, ela em quatro, cinco anos, estará pronta. E o nosso desafio vai ser fomentar a economia da ilha, do Recôncavo Sul. Hoje, aquela região de Santo Antônio de Jesus, Nazaré, Cruz das Almas, enfrenta o problema de que tudo que está a leste da BR-101 e BR-116 não passa nada. Não tem circulação. E a economia dali sofre por não ter circulação de mercadorias, de carros.

Com o advento da ponte e da via que cruza de leste para oeste, vamos ter uma revitalização enorme do Recôncavo Sul. Além disso, economicamente você vai ter toda uma expansão da cidade de Salvador. Salvador é uma cidade que tem uma densidade populacional muito grande e a gente precisa procurar saídas. A ponte vai ser essa saída. A gente inclusive brinca que Salvador deu as costas para o que tem de mais bonito, que é a Baía de Todos-os-Santos. Naturalmente, com a ponte, vai surgir outra demanda por ocupação também da Cidade Baixa, de toda aquela região ali.

Portanto, o Estado já está desenvolvendo um projeto para a Baía de Todos-os Santos, do ponto de vista de infraestrutura, desenvolvimento urbano, mobilidade, essas coisas todas, para que a gente possa usar esse potencial todo. Não tem sentido, em pleno século 21, para chegar em Cachoeira ter que ir quase a Feira de Santana.

Raio-X

Atual diretor-presidente da BahiaInveste, Paulo Guimarães é engenheiro químico formado pela Ufba (1982), mestre em Engenharia Química pela Unicamp (1991) e doutor em Engenharia Química, pela University of Leeds, da Inglaterra (1995). Está no governo da Bahia desde 2009, onde exerceu diversos cargos, como o de superintendente de Desenvolvimento Econômico da Secretaria da Indústria, Comércio e Mineração. Professor universitário, ele desenvolveu pesquisas sobre questões tecnológicas e regulatórias sobre energia, gás natural, combustíveis e biocombustíveis.

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