Aumento da demanda cria desafios ao mercado de gás no Brasil

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Poder 360

O debate em torno da oferta de gás natural no Brasil vem se complexificando por causa da ampliação dos interesses em jogo. As discussões recentes abrangem a expansão de oferta, a diversificação da demanda e a infraestrutura necessária para distribuição. Também envolve um aspecto ambiental, visto que o gás é uma opção menos poluente em comparação com outros derivados de petróleo.

Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), em dados extraídos do Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, no Brasil, dois terços da oferta de gás natural, o equivalente a 134 milhões de m³/dia, provêm de importações -incluindo GNL (Gás Natural Liquefeito) por terminais costeiros (com capacidade de 57 milhões de m³/dia) e gás boliviano via Gasbol. Já a produção doméstica procede principalmente dos campos do pré-sal, representando cerca de 20% do total disponibilizado.

Pelas estimativas da EPE, no pico de utilização, 40% do consumo de gás natural é destinado à geração de eletricidade em termelétricas. Esse uso é crucial para assegurar a estabilidade do SIN (Sistema Interligado Nacional), complementando a geração hidrelétrica quando os reservatórios apresentam níveis reduzidos.

Cerca de 40% do consumo total é alocado em 3 principais usos:

residencial e comercial, para aquecimento e cocção;

industrial, sobretudo em setores intensivos em energia (tais como indústrias de vidro, cerâmica e siderurgia, onde o gás natural é preferido ao coque siderúrgico por razões ambientais); e

no setor de transporte, com o gás natural veicular (GNV).

Dos 20% restantes, em torno de 15% são destinados a refinarias e fábricas de fertilizantes e 5% são absorvidos pelo próprio sistema de gás (em estações de compressão e aquecedores em gasodutos).

Do lado da demanda, o consumo de gás natural tem um grande potencial de crescimento, impulsionado pela elevação da demanda industrial por fontes energéticas mais limpas, pelo aumento na produção de fertilizantes -que reduziria a dependência de importações-, e pelo maior uso de GNV no setor de transporte, onde o consumo é ainda limitado.

Do lado da oferta, as coisas não são tão simples. A expansão da distribuição de GNL no Brasil enfrenta grandes desafios por causa da concentração da infraestrutura existente na faixa litorânea, do Sul ao Nordeste. Para melhorar a distribuição nacional, é preciso ampliar a rede de dutos -ou construir plantas de liquefação em diferentes regiões, visando a alternativas para o transporte e armazenamento do GNL.

A crescente queda na produção boliviana de gás exige a busca por alternativas para recompor a oferta regional. Dentre as opções avaliadas pela EPE, está o investimento em novas explorações na própria Bolívia, embora haja incertezas quanto à sua viabilidade.

Outra possibilidade é a integração do gás natural de Vaca Muerta (Argentina) à rede boliviana de dutos, que requer a conclusão da infraestrutura Argentina-Bolívia e a aceitação por parte da Bolívia de ser apenas intermediária.

Uma 3ª alternativa propõe a construção de um gasoduto ligando Vaca Muerta, Uruguaiana e Porto Alegre.

Em qualquer caso, expandir a rede de gasodutos requer tempo e vultuosos investimentos, algo especialmente difícil diante da crise econômica argentina, da reduzida capacidade boliviana e do contexto de ajuste fiscal brasileiro.

No Brasil, apesar de já haver projetos de gasodutos em andamento, ligados a reservatórios de gás em águas profundas, como na bacia de Sergipe/Alagoas e BM-C-33 em Macaé, a necessidade de expansão é significativa. Adicionalmente, a privatização da Eletrobras introduziu a obrigação legal de construir termelétricas a gás no Norte e Nordeste, visando a aumentar a capacidade produtiva em 8.000 megawatts, o que intensifica a demanda por investimentos na infraestrutura de gasodutos.

Finalmente, existe a opção de ampliar a produção doméstica, que requer maiores investimentos nas bacias de Campos e Santos e no Nordeste, além de, no médio prazo, depender também da conclusão das chamadas Rota 3 e Rota 4.

Hoje, uma pequena parcela do gás natural produzido é queimada e uma quantidade significativa é reinjetada nos poços para elevar a pressão e a produção de petróleo, por causa da falta de infraestrutura para escoamento. O alto teor de CO presente no gás exige processos de filtragem que elevam os custos.

Esses desafios se somam aos investimentos necessários para expandir a malha de dutos e aprimorar as UPGNs (unidades de processamento de gás natural), criando um cenário que demanda significativos aportes financeiros.

Até o momento, há duas vias de definição dos preços do gás no Brasil: os preços da Bolívia, estabelecidos por acordos de longo prazo que levam em conta referências do mercado internacional, como o preço do petróleo tipo brent, as flutuações do dólar e os preços GNL dolarizados; e os preços da produção interna, influenciados pelos custos de produção, transporte, distribuição e uma margem adicional.

Se os investimentos para a ampliação da infraestrutura forem incorporados rapidamente no preço final do gás, e não por meio de uma amortização planejada e de longo prazo, haverá um aumento significativo desses custos e dos preços do gás natural, inviabilizando o atendimento da demanda hoje existente.

Assim, ao mesmo tempo que novos investimentos são essenciais, é igualmente importante um planejamento estratégico. Desde o governo Temer, passando pelo governo Bolsonaro e incluindo ajustes no Cade, foram desenvolvidas estratégias para criar um mercado de gás natural mais competitivo (Novo Mercado do Gás), incentivando a entrada de novas empresas. Contudo, ao fragmentarem o setor, essas políticas aumentaram os desafios de investimento não atendidos.

Além disso, a venda de ativos da Petrobras em produção, transporte e distribuição de gás natural comprometeu a capacidade de um planejamento integrado e o papel da empresa pública nesse contexto.

Longe de ser um empecilho ao desenvolvimento da oferta de gás natural no país, visão que predominou no período anterior, a Petrobras é fundamental para a estruturação de uma oferta nacional abrangente e diversificada, alcançando todo o território nacional e aproveitando as sinergias entre produção nacional e importação.

Recuperar o protagonismo da estatal no setor é essencial para expandir a oferta de gás a preços competitivos e fomentar o aumento da demanda. Sem essa visão estratégica, o mercado de gás poderá ficar sendo só uma possibilidade, apesar dos estudos e interesses que confirmam sua viabilidade.

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