Combustíveis sintéticos poderão salvar a combustão

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Valor Econômico

Responda rápido: quando surgiu o primeiro carro elétrico? Aposto que você pensou nas últimas décadas do século 20. E se eu dissesse que esse tipo de propulsão é quase tão antigo quanto os próprios automóveis? Em 1898, muito antes de abrir a própria montadora, Ferdinand Porsche criou um modelo movido a eletricidade que chegava a impressionantes 25 km/h (para a ocasião).
Mas a falta de estrutura à época e a pouca capacidade das baterias fizeram com que os elétricos perdessem a competição para os motores a combustão, que se tornaram a tecnologia dominante até hoje.
Mais de cem anos depois, estamos prestes a viver uma inversão de papéis. Diversos países (com mais ou menos prazo) já anunciaram proibições aos veículos a gasolina ou diesel. Até híbridos serão vetados.
Ao menos duas dezenas de fabricantes pegaram carona e já disseram que, a partir de determinado ano, só lançarão modelos com baterias e motores elétricos. A maior parte deles foca em 2030.
Mas há aqueles que resistem e começam a trabalhar para mostrar que carros a combustão podem combinar com sustentabilidade, para alegria dos fanáticos pelos motores que roncam alto.
“Os combustíveis sintéticos viabilizam toda uma cadeia produtiva de motores a combustão, tanques e sofisticação do pacote híbrido sem demandar uma sobrecarga de energia elétrica. Mas o grande desafio dos países é não se amarrar a uma única solução, deixando os marcos legais abertos para qualquer tecnologia que venha a resolver os nossos problemas, mantendo uma mobilidade ativa, sustentável, que não gere danos ao meio ambiente, mas que não seja inviável em termos de custos”, disse Erwin Franieck, diretor-presidente do Instituto SAE4Mobility.
Até pouco tempo, parecia que as maiores interessadas na manutenção de motores a combustão eram as fabricantes de superesportivos, como Ferrari e Porsche. Recentemente, porém, a Stellantis, dona de marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën, anunciou o início de testes com uma gasolina que reduz em até 90% as emissões de CO2.
Mas é a Porsche que parece ter tomado a dianteira. A fabricante é uma das investidoras da Highly Innovative Fuels, que inaugurou em dezembro do ano passado, no Chile, uma usina para produção de gasolina sintética. Por enquanto, a produção é reduzida. São 130 mil litros por ano, suficientes para encher o tanque de 2,6 mil carros pequenos. Mas as ambições são bem maiores: chegar a 550 milhões de litros anuais a partir de 2026 e inaugurar outras unidades ao redor do mundo.
A receita para fazer combustível sintético usa dois ingredientes: dióxido de carbono (CO2) e água (H2 O). Antes de serem combinados, a água precisa passar pela eletrólise, em que as moléculas de hidrogênio e oxigênio são separadas e o oxigênio é desprezado. O hidrogênio restante é combinado com o CO2 capturado da atmosfera e previamente filtrado. O resultado é o metanol, que ainda passa por um catalisador que vai dar origem ao combustível desejado – diesel e gasolina são dois exemplos.
Os veículos não precisam de qualquer modificação para usar o combustível, já que o produto tem as mesmas propriedades daqueles derivados de petróleo.
E como o CO2 usado na produção já foi capturado da atmosfera, não há liberação de gases no planeta. Contudo, duas grandes questões envolvem a produção dos combustíveis sintéticos. “A dificuldade é que o custo para transformar CO2 e hidrogênio em combustível é muito alto, cerca de quatro vezes mais que o combustível fóssil”, diz Franieck.
A segunda questão é a grande demanda de energia elétrica exigida. Nesse caso, não adianta fazer um combustível usando eletricidade vinda de fontes não renováveis. Por isso a usina de Haru Oni, responsável pela gasolina verde da Porsche, usa grandes turbinas eólicas. Por enquanto, a fabricante usa todo o combustível produzido no Chile nos carros de corrida da categoria Mobil 1 Supercup. E o festival de carros antigos de Goodwood (Inglaterra), um dos mais tradicionais do mundo, anunciou que terá uma corrida de clássicos abastecidos com gasolina sintética com 30 exemplares de Porsches 911 produzidos até 1966.
No entanto, não é só no Chile nem só a Porsche que trabalham essa ideia. No Brasil, a Petrobras planeja investir US$ 600 milhões até 2027 em combustíveis sintéticos. “O desenvolvimento de gasolina é menos evidente, porque há outras opções sendo consideradas, como o etanol. Por isso, a transição mais sensível é no querosene de aviação, no diesel e nos combustíveis marítimos”, disse Ricardo Rodrigues da Cunha Pinto, consultor sênior da estatal.
Por causa do etanol, que é praticamente neutro em carbono e pode ser usado como matriz energética limpa, é possível que a gasolina sintética nem sequer esteja disponível em grande escala para o consumidor. Mas as versões sintéticas de diesel e querosene de aviação devem ser alternativas para veículos comerciais, aeronaves e embarcações.
“Fizemos um teste com óleo combustível marítimo com conteúdo renovável. Testamos em um navio da Transpetro e tivemos resultados bons. O foco é na redução de carbono, não importa de onde ela venha”, completa Cunha Pinto.
No fim das contas, a indústria trabalha em diversas frentes para a descarbonização em praticamente todos os meios de transporte. E, ao contrário dos nossos antepassados, parece que vamos conseguir alcançar esse objetivo usando mais de um combustível ou matriz energética.

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