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19/11/2018
Combustível deve subir menos e pode ajudar inflação
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Fonte: Valor Online | Opinião

Dentre os temas do programa eleitoral do presidente eleito Jair Bolsonaro merece relevo a questão dos combustíveis. Como candidato, manifestou sua orientação política sobre o tema, ao afirmar que, depois da descoberta do pré-sal, "a regulação do petróleo foi orientada pelo estatismo, gerando ineficiências". Seu dedo crítico apontava para a exigência burocrática de conteúdo local, que reduziria a produtividade e a eficiência, além de ter gerado corrupção, sem qualquer impacto positivo para a indústria nacional no longo prazo.
Insurgia-se contra os preços praticados pela Petrobras, que deveriam seguir os mercados internacionais, encontrando-se mecanismos adequados para as flutuações de curto prazo. Ao mesmo tempo, esperava promover a competição no setor de óleo e gás, em benefício dos consumidores, sugerindo que a Petrobras devesse vender parcela substancial de sua capacidade de refino, varejo, transporte e outras atividades onde tenha poder de mercado.
É bom lembrar que o setor é considerado estratégico no âmbito constitucional. E a legislação atual (Lei nº 9.847/99, art. 1º § 1º), quanto ao abastecimento nacional de combustíveis, aí incluída a produção, a distribuição, a revenda de petróleo e seus derivados básicos e produtos, considera, corretamente, essas atividades de utilidade pública, mas não serviço público.
Uma solução de mercado corre risco de ser substituída por regulação administrativa com benefícios incertos
Portanto, sujeitas a regras específicas, relacionadas com o produto e seu fornecimento em todo o território nacional, isto é, destinadas a fazer com que os usuários dos produtos recebam com segurança e facilidade, produtos de boa qualidade, mas não impõe qualquer direcionamento de política econômica das empresas. Nem distribuição nem revenda são atividades sob monopólio, nem sujeitas a outras regras concorrenciais, que não as do livre mercado.
A intervenção do Estado, em nome da concorrência, justifica-se, pois, desde que para evitar a formação arbitrária de assimetrias de poder no mercado ou para reprimir atos abusivos, competência própria do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o que difere da adoção de políticas de fomento à competição, mais afeita às agencias setoriais.
O alvo crítico do candidato eleito foi a forte presença do Estado no setor. Como programa eleitoral, suas propostas parecem, no entanto, vir na direção inversa de recentes incursões de órgãos como a ANP (Agência Nacional de Petróleo) e o Cade, que, sob a justificativa de lidar com a concorrência, propõem uma reformulação do modelo de negócios pelo qual foram constituídos os mercados de revenda e distribuição de combustíveis nas últimas décadas.
Em recentes manifestações nessa linha, aqueles órgãos propõem, primeiro, desautorizar contratos de exclusividade entre distribuidores e postos, um modelo de contratação que, aliás, viabilizou a consolidação de marcas (as chamadas "bandeiras" dos postos), construindo confiança dos consumidores quanto à qualidade e procedência dos combustíveis. Note-se a diferença entre a legítima competência do Cade em proibir, caso a caso, o contrato de exclusividade, que em um particular mercado de revenda, limite a concorrência, e sua extrapolação, ao buscar determinar, por Resolução geral e abstrata, em convênio com a ANP, que postos com bandeira de determinada distribuidora, adquiram combustíveis de outras procedências.
Em segundo lugar, pretendem aqueles órgãos, na esteira da autorização de infidelidade à marca, propor o "by-pass" da etapa de distribuição, com a venda direta de produtores de etanol aos postos revendedores, o que, no entanto, pode trazer maior dificuldade à fiscalização e controle de qualidade do combustível que chega ao consumidor.
Na verdade, o que ambas as intervenções podem trazer é mais perturbações exógenas à alocação eficiente de recursos. O agente privado é incentivado a realizar investimentos em sua marca e na qualidade de seu produto, na medida em que possa ter como contrapartida a recompensa pelo investimento, ou seja que a recompensa seja internalizada. Quando se admite que a recompensa seja externalizada, com o aproveitamento do investimento por outros agentes que não incorreram nesse custo, cria-se um desincentivo para o investimento no mercado, o que traz um saldo negativo em termos de qualidade do produto e no serviço de distribuição.
Na verdade, o distribuidor ver-se-á desestimulado a investir em qualidade e na atração do consumidor, pois reduz-se o retorno com a externalização da recompensa. Resultado: queda de qualidade do produto, do serviço e queda do investimento em marketing (mesmo o marketing traz um ganho ao consumidor em termos de informação e possibilidade de comparar concorrentes). Tudo isso em detrimento ao interesse do consumidor e, por consequência, da concorrência.
Mas talvez o principal questionamento a ser levantado em relação à iniciativa é sua oportunidade. O objetivo almejado seria a redução de preços do combustível ao consumidor final. Ocorre que, juntas, as etapas de distribuição e revenda não chegam a representar 12% do preço final do produto. Em contexto no qual há sinalização, pelo novo governo, de introduzir efetiva competição na produção, refino e transporte dos combustíveis, quebrando o monopólio estatal, verdadeiro responsável pelos altos preços no setor, parece que a medida proposta pelos órgãos ataca o alvo errado em momento inoportuno.
Se, mantido o monopólio, já é difícil avaliar o impacto econômico e o trade-off entre uma duvidosa redução de preços e o possível desincentivo ao investimento por distribuidores, é ainda mais obscuro qual seria o efeito daquela alteração proposta por ANP e Cade caso advenha a efetiva quebra do monopólio da Petrobrás. Em países nos quais há competição na produção e refino, há, muitas vezes, uma verticalização eficiente, competitiva e benéfica ao consumidor, desde a ponta da produção até a revenda do combustível.
Em suma, a estrutura atual, fruto de solução mercadológica, corre o risco de ser substituída por uma regulação administrativa geradora de custos, com benefícios incertos, voltada para a ponta da cadeia, em momento de reflexão sobre alterações em sua raiz, verdadeiro (e correto) alvo na mira do novo governo.

Tercio Sampaio Ferraz Junior é advogado e professor titular aposentado da Universidade de São Paulo

Juliano Souza de Albuquerque Maranhão é professor de Teoria Geral do Direito, Universidade de São Paulo

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