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Fonte: Folha de S. Paulo Online

A escassez de gasolina na Venezuela, que é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), foi exacerbada pelo aumento das exportações de combustível para aliados, como Cuba e Nicarágua, e o êxodo de funcionários vitais da companhia de energia estatal PDVSA, segundo documentos internos da empresa e fontes informadas sobre suas operações. O governo de esquerda da Venezuela vende a seus cidadãos a gasolina mais barata do mundo.

O abastecimento de combustível continuou, apesar do turbilhão na indústria doméstica e da crise econômica que se aprofunda sob o presidente Nicolas Maduro, que deixou o país com baixos estoques de muitos artigos de primeira necessidade. Isso mudou na quarta-feira (22), quando os venezuelanos enfrentaram a primeira falta de combustível em todo o país desde que uma explosão atingiu uma das maiores refinarias do mundo, cinco anos atrás. Na época, o governo do então presidente Hugo Chávez reduziu as exportações para garantir que houvesse combustível suficiente no país.
A escassez desta semana também se deveu principalmente a problemas nas refinarias, quando uma combinação de defeitos nas usinas e falta de manutenção cortou pela metade a produção de combustível.
Diferentemente de cinco anos atrás, Caracas continuou exportando combustível para seus aliados políticos e até aumentou o volume de remessas no mês passado, apesar de advertências da companhia estatal de que isso poderia provocar uma crise no abastecimento interno. As remessas das refinarias para o mercado interno precisaram ser redirecionadas para cumprir os compromissos de exportação, segundo mostram os documentos.

"Se esse volume adicional... for exportado, poderá impactar um carregamento agendado para o mercado local", dizia um e-mail enviado por um diretor do departamento de marketing da companhia a sua unidade de comércio internacional.
A Venezuela exportou em fevereiro 88 mil barris por dia (bpd) de combustíveis —o equivalente a um quinto de seu consumo doméstico— para Cuba, Nicarágua e outros países, segundo documentos internos da PDVSA que foram vistos pela agência Reuters. Isso representou 22 mil bpd a mais que o volume que a Venezuela vinha enviando a esses dois países, sob acordos feitos por Chávez para expandir sua influência diplomática reduzindo o custo do combustível deles com suprimentos baratos de cru e refinados.
A ordem para aumentar as exportações veio de altos executivos da PDVSA, segundo os e-mails internos vistos pela Reuters. O ministério do petróleo da Venezuela e a PDVSA (Petroleos de Venezuela SA) não responderam a pedidos de comentários para esta reportagem.

FUGA DE CÉREBROS
A tensão no sistema de combustíveis do país foi intensificada pela partida de funcionários da unidade de comércio e abastecimento da PDVSA que são chaves para garantir que o combustível chegue onde seja necessário e pelos pagamentos pelas importações, segundo três fontes próximas à companhia.
A unidade perdeu mais de dez funcionários chaves desde que Maduro reformulou a alta direção da PDVSA em janeiro. Entre os que partiram estava o diretor de orçamento e pagamentos, segundo duas fontes. "Toda semana alguém sai por motivos variados", disse uma fonte da PDVSA que conhece as operações da empresa.
Alguns foram demitidos, enquanto outros saíram desde que a reformulação colocou autoridades políticas e militares em altos cargos e reforçou o poder de Maduro na companhia que move a economia do país. A imposição de líderes com pouca ou nenhuma experiência na indústria desiludiu ainda mais alguns profissionais experientes da empresa e acelerou um êxodo que já havia se instalado com o agravamento das condições econômicas e sociais na Venezuela.
Um relatório interno recente da PDVSA visto pela Reuters mencionou a "baixa capacidade de reter pessoal chave" com salários de algumas dezenas de dólares por mês à taxa do mercado negro.

CONTAS VENCIDAS
A saída de funcionários responsáveis pelo pagamento a fornecedores, assim como a falta de dinheiro na companhia e no país, levou a um acúmulo de contas vencidas pelas importações de combustível da Venezuela. Se as contas fossem pagas, a queda de fornecimento teria sido menos aguda, segundo fontes da empresa.
Cerca de dez navios-tanque estão à espera perto de portos da PDVSA na Venezuela e no Caribe para descarregar combustível para o consumo doméstico e para mistura de petróleo. Só um navio com importações de combustível foi descarregado desde o início da semana, segundo dados portuários.
A PDVSA encomendou alguns carregamentos enquanto preparava fornecimentos alternativos para que as refinarias passassem por manutenção. Os navios ao largo não descarregarão enquanto a empresa não pagar pelas cargas, disseram navegadores e fontes da companhia.
Se a PDVSA pagar —até US$ 20 milhões por carga—, a escassez poderá terminar relativamente cedo. A empresa enfrenta dificuldades desde que a queda do preço global do petróleo começou, em 2014, a cortar receitas de suas exportações de cru. A PDVSA está sem caixa e se prepara para o pagamento de cerca de US$ 2,5 bilhões em títulos devidos para o próximo mês.
Enquanto os navios aguardam ao largo, filas de dezenas de carros esperavam nos postos de gasolina no centro da Venezuela nas últimas quarta e quinta. A escassez irritou os venezuelanos que já enfrentam longas filas para comprar alimentos e remédios, devido aos baixos estoques.
A PDVSA culpou o arrocho no fornecimento a problemas não especificados de remessas de combustível das refinarias locais para os centros de distribuição. A companhia disse que está trabalhando firmemente para resolver a situação, reforçando as entregas para as regiões mais atingidas.
A falta de caminhões de transporte de produtos refinados também causou engarrafamentos, segundo funcionários do petróleo disseram ao presidente da PDVSA, Eugenio Del Pino, durante uma visita a uma instalação de combustível nesta semana. Os caminhões estão em falta porque o país não tem fundos para pagar pelas importações de peças sobressalentes.
Não ficou claro quando o abastecimento de combustível voltará ao normal, mas no final da quinta-feira (23) a companhia estatal parecia ter distribuído um pouco de combustível estocado para Caracas e a cidade de Puerto Ordaz, no leste.
As filas para abastecer nos postos de gasolina diminuíram nessas cidades, segundo testemunhas da Reuters. Trabalhadores da refinaria de Isla, operada pela PDVSA, que produz cerca de 335 mil bpd na ilha próxima de Curaçao, disseram na sexta-feira que a refinaria tinha começado a reiniciar sua unidade de fragmentação catalítica, o que poderá aumentar o suprimento de combustível nos próximos dias.
*Com reportagem adicional de Mircely Guanipa em Punto Fijo e Maria Ramirez em Puerto Ordaz; edição de Simon Webb e Marguerita Choy
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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