Bolsonaro tenta ‘passar a boiada’ no preço do diesel

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O Globo / Opinião

Obcecado em atender ao pedido de sua base eleitoral de caminhoneiros para que reduza o preço do diesel, o presidente Jair Bolsonaro deu a entender diante da claque de apoiadores na porta do Palácio da Alvorada que poderá incluir na cláusula de calamidade do novo auxílio emergencial um corte de impostos cobrados sobre o diesel. Seria uma manobra para não precisar cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, que obriga a compensar, cortando custos, qualquer perda de receita por eliminação ou redução de imposto. No espírito do relaxamento nas regras ambientais, é como se Bolsonaro sugerisse abertamente “passar a boiada” nas finanças públicas.

Não é aceitável que tente driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), nem sequer que venha propor sua alteração para satisfazer aos eleitores (sim, essa é outra possibilidade estudada no Planalto). Na primeira hipótese, ele aproveitaria que, para respeitar a legislação fiscal, será preciso, como em 2020, instituir por PEC uma cláusula de calamidade para atender milhões que ficaram sem renda na pandemia. E colocaria nessa cláusula seu jabuti, ou melhor, sua boiada rodoviária.

No caso do PIS-Cofins, imposto sobre o diesel que Bolsonaro pretende reduzir, cada centavo de queda do preço na bomba equivale a meio bilhão de reais a menos na receita tributária. Se não conseguir passar essa “boiada” disfarçada de “calamidade”, ele estuda suspender o inciso primeiro do artigo 14 da LRF, que estabelece a necessidade de compensar renúncias fiscais. Para isso, precisaria de maioria absoluta no Congresso (257 deputados e 41 senadores), por se tratar de lei complementar. Não é difícil imaginar que o fisiologismo entraria em ação, empurrando mais o país para um beco do qual não há saída indolor.

A tentativa de manobra mostra que é pura dissimulação Bolsonaro fingir preocupações com a questão fiscal (crítica, com a projeção para este ano de um déficit primário de R$ 250 bilhões). A LRF foi aprovada em 2000, na gestão Fernando Henrique Cardoso, como parte essencial no Plano Real. Estabeleceu normas para dar transparência às finanças da União, estados e municípios e criou limites a gastos de pessoal, incluindo pensões e aposentadorias, acompanhados pelos tribunais de contas. Serve de prevenção contra o caos monetário e fiscal semeado na ditadura militar, que emergiu com força na redemocratização.

Por óbvio, os mecanismos emergenciais e temporários que deverão ser acionados em razão da crise provocada pela pandemia não existem para a prática de demagogia, nem para desmoralizar o conceito de responsabilidade fiscal. E também inaceitável que Bolsonaro tente alterar a lei para satisfazer aos caminhoneiros, caso não funcione o truque da cláusula de calamidade.

Bolsonaro sempre tenta usar atalhos para escapar dos freios e contrapesos democráticos. Foi assim no armamentismo e no meio ambiente. Agora, ensaia fazer o mesmo no campo fiscal. Não deixa de ser irônico que o resultado desse tipo de manobra possa abalar seu próprio projeto de reeleição, já que o desequilíbrio fiscal tem consequências tão indesejáveis quanto inexoráveis: pressiona a inflação, faz o dólar disparar, reduz os investimentos, gera recessão e aumenta o desemprego.

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