O etanol será definitivamente inserido na matriz energética brasileira?

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Fonte: UDOP
O setor sucroenergético brasileiro, desde a época da implantação do Proálcool na década de 1970 até os dias de hoje, vem sofrendo questionamentos sobre seus potenciais impactos econômicos, ambientais e sociais e, também, sobre a validade de se ter políticas públicas que incentivem seu crescimento. Diante disso, não há um posicionamento firme, até o momento, sobre a importância do etanol na matriz energética brasileira, o que tem motivado a ausência de regras claras que assegurem menor risco nesse importante segmento do agronegócio brasileiro.

Vivenciado a expansão das atividades da cadeia da cana-de-açúcar no período mencionado, temos ciência das preocupações que existiram sobre os feitos desse crescimento, as quais versavam principalmente sobre as seguintes temáticas: em primeiro lugar, tem-se a questão “cana combustível versus alimento”, que tratava da ocupação da terra, visando a fabricação de combustíveis renováveis em detrimento do direcionamento dessas áreas para a produção de alimentos. Um segundo aspecto diz respeito ao fator trabalho e, nesse caso, tem-se duas vertentes: (i) a descontinuidade na ocupação de mão de obra na atividade canavieira. Sendo a demanda maior na época de colheita, necessitando absorver trabalhadores de outras regiões do País, questionava-se se essa migração poderia ser responsável por aumento da criminalidade nas localidades que recebiam esse contingente de trabalhadores; (ii) condições de trabalho insalubres dos cortadores de cana. Um terceiro argumento contrário à expansão encontrava respaldo na questão das queimadas dos canaviais para facilitar a colheita manual, o que era fonte de poluição nos centros urbanos próximos aos canaviais.

Os argumentos relacionados ao primeiro fator mencionado, a questão da “cana combustível versus alimento”, caem por terra quando se identifica que o uso do solo visando a produção do etanol é pequeno em relação à área total agricultável brasileira e menor ainda quando se considera apenas a área destinada a culturas e florestas plantadas. No ano de 2015, a área plantada com cana destinada à fabricação do etanol representou aproximadamente 7% da área agrícola brasileira e um percentual bastante pequeno quando considerada, em conjunto, as áreas agrícola, de pecuária e da silvicultura.

Em relação à segurança alimentar, deixa-se de considerar, quando se argumenta que a alocação de solo para a produção de biocombustível deve restringir a oferta de alimentos, os aumentos de produtividade observados na agricultura e pecuária brasileira. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), nas palavras do ministro Blairo Maggi, hoje, 17% da área nacional é destinada à pecuária, da qual metade pode ser revertida para a produção agrícola sem que haja redução do rebanho.

A questão da alimentação insatisfatória de grande parte da população brasileira está mais relacionada, como aponta a literatura sobre o tema, à falta de renda para adquirir alimentos do que à retração da oferta e do efeito que esta diminuição possa ter sobre os preços. Como se sabe, o Brasil ocupa posição de destaque nas exportações mundiais de produtos do agronegócio, podendo-se citar, entre outros, açúcar, café, suco de laranja, carne bovina, carne de frango e soja e derivados.

Ainda tratando do tema alimento, diversos trabalhos têm mostrado uma associação positiva ente crescimento da atividade sucroenergética e o aumento de renda e emprego, sendo constatado um efeito de transbordamento, que trata de benefícios também para regiões próximas àquelas onde ocorre a expansão. Conclui-se, assim, que a questão do uso do solo no Brasil para a produção de biocombustíveis não deve ameaçar a questão da oferta de alimentos e a segurança alimentar; pelo contrário, o aumento de renda proporcionado pela expansão das atividades do setor sucroenergético pode levar a melhoria das condições econômicas e alimentares das famílias.

Em relação a emprego, nos aspectos sobre o crescimento do setor sucroenergético e os problemas relacionados ao trabalho temporário na época de colheita, tem-se a argumentar que, no Centro-Sul, maior região produtora de cana do País, essa fase do processo produtivo está quase que totalmente mecanizada, antecipando cronogramas estabelecidos em acordos ente produtores de cana e o Estado. Ao mecanizar a colheita e outras etapas do processo produtivo, o segmento agrícola da cadeia teve como contrapartida um aumento significativo da linearidade no uso da mão de obra. A insalubridade do trabalho na atividade canavieira e a até então existente também nos centros urbanos que sofriam os efeitos das queimadas de cana não são mais observados.

Os argumentos desfavoráveis à expansão da atividade canavieira apontados ao longo dos últimos 40 anos, relatados de forma sucinta neste texto, são hoje refutados. A preocupação atual, também não procedente, é de que a expansão do setor sucroenergético no Brasil possa levar à ocupação de biomas que devem ser preservados. No entanto, o Zoneamento Agroecológico, estabelecido em passado recente, atendendo rígidos critérios de preservação, definiu áreas onde a expansão da atividade canavieira pode se dar sem ser prejudicial ao ambiente.

Ainda em termos do trabalho, a atividade canavieira é hoje referência no âmbito do agronegócio brasileiro no que diz respeito ao emprego. Além de ser uma atividade mão de obra intensiva, relativamente a outras atividades no campo, mesmo após o advento da mecanização da colheita, ela é a que tem o maior nível de formalização – 86,8% dos trabalhadores da atividade canavieira trabalham com carteira assinada -, a média para o conjunto das atividades agrícolas e florestais é de 45,1%, segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua.

A atividade canavieira é também referência quanto à parceria existente entre os elos da cadeia: produtor rural e indústria esmagadora, quando se trata da comercialização de seus produtos. O Sistema Consecana, que rege essa parceria e tem como finalidade definir valores que são considerados “piso” para pagamento da matéria-prima fornecida por produtores independentes e para pagamento de áreas arrendadas, é bem estruturado, havendo revisões periódicas, visando à adequação do programa às modificações em técnicas de produção e às condições de mercado.

Dessa forma, conclui-se que, em análises de custo e benefícios sobre a expansão da atividade canavieira visando a produção de etanol, certamente os benefícios prevalecerão sobre custos, se por ventura houver algum. Pode-se citar entre os benefícios o aumento da renda e emprego, matriz energética limpa, efeitos positivos sobre balança de pagamentos, reduzindo a necessidade de importação de derivados de petróleo, entre outros aspectos.

Há muito se fala no Brasil da necessidade de se definir regras de comercialização que tragam menor risco para o setor de biocombustíveis, induzindo ao aumento da sua produção, que está estagnada. Esse segmento do agronegócio brasileiro tem enfrentado condições adversas de mercado, por conta de medidas imediatistas, quer relacionadas a preço de produto substituto distorcidos ou a questões tributárias.

Eis que surge agora uma proposta visando a expansão da produção de combustíveis renováveis no Brasil: o Renova Bio 2030. Proposto em 2016 e com audiências públicas marcadas para terem início em 2017, o programa visa tratar da sustentabilidade do setor de biocombustíveis, abrangendo os convencionais e novos biocombustíveis, como o etanol de segunda geração, o diesel de cana, o biogás/biometano, o bioquerosene e o biodísel HVO (óleo vegetal hidrotratado). Busca-se, por meio desse programa, estabelecer regras de comercialização e definir políticas que incentivem o investimento em renováveis. As audiências públicas a serem realizadas tratarão do detalhamento do programa e das ações a serem implementadas.

O Brasil, na COP21 (Conferência do Clina da ONU), se comprometeu, como fizeram outros países, com o enfrentamento dos problemas ambientais, compromisso que foi ratificado pelo Congresso e Presidência da República. Nesse contexto, pelo fato de ter uma tecnologia já bastante desenvolvida para o etanol, certamente ele terá um papel preponderante no cumprimento das metas estabelecidas, sendo estimado um crescimento substancial de sua produção.

Mirian Rumenos Piedade Bacchi é professora da Esalq/USP e pesquisadora do Cepea
Fonte: Cepea

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