Por uma política pública para o preço dos combustíveis

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14/06/2018
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Fonte: Valor Econômico

Momentos de crise são importantes, porque servem como um marco natural para a revisão de políticas públicas. A crise, vista de forma isolada, é mero indicativo de que o momento certo para revisão e reanálise da política pública foi ultrapassado e não corresponde mais aos anseios da sociedade.
No Brasil a crise do momento diz respeito à composição do preço do diesel. O fato de se tratar de uma crise no sistema de tributação e precificação do diesel é mero detalhe porque a técnica adotada para oneração do diesel não é diferente da aplicada na tributação dos demais combustíveis. Segundo dados da Petrobras, o preço do diesel ao consumidor é composto dos seguintes valores: 1-56% de realização da Petrobras, 2- 13% de tributos federais (Cide, PIS/Pasep e Cofins), 3- 15% de imposto estadual (ICMS), 4- 7% de custo do Etanol Anidro e 5- 9% distribuição e revenda. Compare-se à composição do preço da gasolina: 1- 34% de realização da Petrobras, 2- 16% de tributos federais (Cide, PIS/Pasep e Cofins), 3- 29% de imposto estadual (ICMS), 4- 12% de custo do Etanol Anidro e 5- 9% distribuição e revenda.
O problema está na ausência de verdadeira política pública para precificação dos combustíveis. Os dados acima apontam para verdadeiro incentivo ao consumo do diesel (carga fiscal total de 28%), sobre a gasolina (carga fiscal total de 45%). Ocorre que do ponto de vista ambiental, diesel é o combustível com maior potencial para emissão de dióxido de carbono, seguido da gasolina, e por fim, do gás natural.
A carga tributária deveria atuar de modo a refletir o impacto ambiental de cada um dos combustíveis, incentivando a aquisição do combustível menos poluente. Ao invés de expandir o rol de tributos incidentes sobre os combustíveis e efetuar variações nas alíquotas, o legislador deveria simplificar a incidência de tributos e colocar a “política pública sobre combustíveis” à frente da prática de mercado, através da imposição de um preço base para cada tipo de combustível.
Importa relatar a experiência da Bélgica. Em decorrência da assinatura do Tratado de Kyoto (tratado ambiental que definiu metas para redução de emissões de carbono para certos países definidos no Anexo I), o governo belga decidiu modificar a política de tributação de combustíveis, revogando o sistema de tributação fixa e substituindo-o por um sistema de tributação variável denominado “sistema cliquet.”
O sistema funcionou a partir da definição (a priori) de um preço base para cada combustível (embutidos todos os impostos, encargos, custo de distribuição, preço do produto in natura, etc.), de acordo com o potencial poluente de cada um. Desta forma, o diesel passou a ter um preço maior ao consumidor do que a gasolina e o gás natural. O sistema belga visava atuar de modo a compensar uma alta ou baixa nos preços do petróleo, através do aumento ou diminuição de impostos incidentes sobre os combustíveis. Desta forma, uma diminuição do preço praticado para comercialização do petróleo internacionalmente não importaria na diminuição dos preços para o consumidor, mas sim na elevação dos tributos (excise taxes) incidentes sobre o petróleo. A legislação belga previa a incidência de apenas 3 tributos: dois impostos de aplicação única (preço fixo por litro de combustível, sujeito a modificação da alíquota a critério do legislador), e um imposto sobre o consumo (VAT, similar sobre o ICMS).
Apesar de o sistema não ter sido criado para compensar as altas no preço do petróleo, a flexibilidade do sistema de reajuste de preços praticados pelos impostos de aplicação única, possibilitou que o fisco belga se protegesse contra as altas do petróleo quando da crise mundial de 2008. Frente à alta do petróleo, o governo belga simplesmente reduziu ou isentou os combustíveis da imposição dos impostos de aplicação única, fazendo com que o preço final ao consumidor continuasse próximo do preço base determinado pelo governo, para cada combustível.
O sistema reverso, de isenção de tributos, foi denominado “cliquet reverso” à época em que foi posto em prática. A incidência do imposto sobre consumo (VAT) aliviou a perda na arrecadação, já que o imposto passou a incidir sobre o preço majorado do petróleo. Esta estratégia fiscal trouxe estabilidade econômica permitindo que o setor industrial continuasse a operar normalmente, em um período de profunda instabilidade econômica a nível mundial.
O Brasil poderia aprender com a experiência belga e substituir os muitos impostos federais incidentes sobre os combustíveis por impostos mais simples, de natureza ambiental, por exemplo, denominados através de um preço fixo, por litro de petróleo e passíveis de reajustes (positivos e negativos); permitindo que o governo responda às oscilações do mercado de forma proativa e mantenha uma política de preços fixos, e estáveis ao consumidor.
Em se falando de reforma fiscal de viés ambiental, importante notar também a necessidade de se estabelecer um “preço sobre carbono” ou “custo social do carbono (CSC)”no Brasil. O CSC precifica o impacto ambiental decorrente da emissão de uma tonelada de dióxido de carbono. Em suma, o preço deve refletir o custo para o governo (e para a sociedade) de descarbonização do meio-ambiente.
Uma das técnicas mais aplicadas pelos países desenvolvidos quando da definição da política pública de preços sobre o carbono, é a imposição de um imposto sobre o carbono – que, naturalmente, incide sobre todos os combustíveis tradicionais. Para que esta seja uma política efetiva, com ganhos ambientais relevantes, a alíquota deve ser compatível com a meta de redução de emissões, com a situação econômica do país, o nível de desenvolvimento social, e com o custo do carbono (definido quando do estabelecimento do CSC). O último fator deve levar em conta todo o território nacional.
Esta política, se assumida pelo governo brasileiro, colocaria o país em sintonia com os compromissos assumidos pelo Brasil quando da ratificação do Acordo de Paris (parte da UNFCCC, que propõe regras para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no contexto do desenvolvimento sustentável).
O desenvolvimento de uma política pública sobre o preço dos combustíveis pode importar em ganhos significativos para o comércio (através da estabilização do custo operacional), para o meio ambiente (através da internalização do impacto ambiental) e para a economia brasileira (através do controle à inflação). Não desperdicemos essa crise.

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